Para Memória…A Igreja e o ’25 de Abril’ (V) – Anónimos

Por João Alves Dias

“Muitos outros colegas sofreram e foram ostracizados e marginalizados justamente por causa das suas posições políticas.” (P. Fanhais – 7Margens 30/1/2024)

Hoje, quero lembrar os presbíteros que, à luz do Evangelho, iam despertando os católicos para a situação política em que vivíamos.

Não ficaram na história, mas fizeram história no anonimato das suas paróquias. Passaram despercebidos à comunicação social, mas não à PIDE.

Ide por todo o mundo, proclamai o evangelho a toda a criatura.” (Mc 16,15).

Esta proclamação implica o anúncio da Boa Nova, mas também a denúncia do mal e o prenúncio de novos caminhos.

Se uns não aceitaram e reagiram….

“Senhor Padre, com pretextos de toda a consideração e respeito, vimos felicitá-lo pela maneira como na sua homilia nesta festa da Assunção de Maria Nossa Mãe, o Senhor Padre foi tão doutrinador tão explícito e tão claro na transcendência difícil do assunto (…) Não calcula o Senhor Padre como nos enche a alma de Luz quando é assim doutrinador simples e claro e nós a vermos que também a sua alma está imbuída dessa Fé que nos transmite.

(…)

Desculpe e permita-nos que lhe peçamos ser sempre assim: Doutrina, Doutrina porque o Senhor tem capacidade de fazer alar os seus ouvintes e de os empolgar, mas, tão somente com o Evangelho, a Doutrina.

Para quê Filosofias que o povo não entende, para quê politiquice contundente que as almas aborrecem?” (Carta anónima assinada por Salafrárias)

Outros compreenderam e souberam reconhecer. Apenas um exemplo…

Era uma paróquia que, com autorização episcopal e após auscultação de toda a comunidade, iniciara uma ‘organização económica’ que procurava conciliar duas orientações evangélicas, aparentemente, contraditórias: “O operário é digno do seu salário” (Lc 10,7); “Recebestes de graça, dai de graça” (Mt.10,8).

O dinheiro oferecido livremente pelos paroquianos – os serviços, como batizados, casamentos e funerais, eram gratuitos – entrava numa ‘bolsa comum’, gerida por uma ‘Comissão’ com leigos de manifesta credibilidade que estipulava e pagava a mensalidade do pároco e custeava as demais despesas. No aspeto económico, o pároco era um ‘trabalhador por conta de outrem’.

Nos finais de 1975, uns meses após ter sido substituído por um novo pároco, recebeu a carta, enviada pela Comissão Administrativa com a sua ata nº 93, que passo a transcrever:

“Atendendo:

– a que a todo o trabalhador por conta de outrem é obrigatório o pagamento do 13.º mês e um subsídio de férias;

– a que mercê da sua organização económica, a Paróquia tem amealhado, neste momento, cerca de (…)  contos;

– a que sem essa organização essa verba poderia não existir (pelo menos depositada em nome da Paróquia) mas sim ter revertido em proveito do próprio Pároco;  (…)

– a que só de há três anos para esta parte lhe foi concedido o chamado 13º mês;

– a que nunca lhe foi concedida qualquer verba, a título de subsídio de férias;

(…);

a que dentro dos sãos princípios Cristãos realizou um trabalho de mentalização e emancipação muito válida nesta Paróquia, (…)

– a que e sempre dentro das bases do Evangelho lutou sem tibiezas e frontalmente pelas situações de injustiça, privilégio, subalimentação, etc., apontando casos concretos existentes dentro da nossa Paróquia;

a que a sua liberdade chegou a perigar, mercê da objectividade e desassombro que punha em certas homilias, quando apontava, com bases concretas as já anunciadas situações de injustiça, privilégio e até a própria guerra colonial; (…)

Propomos que lhe seja concedida uma gratificação. (…) Esta gratificação que soma a quantia de (…) afigura-se-nos que, de modo algum, paga tão relevantes serviços prestados à Comunidade e à Igreja”.

A ata era assinada, em primeiro lugar, pelo novo pároco a que se seguiam, por ordem alfabética, as assinaturas dos oito membros da Comissão.

Esta deliberação foi, posteriormente, ratificada – não sem vozes discordantes – numa assembleia geral da paróquia convocada expressamente para o efeito.

“Vim lançar fogo sobre a terra. (…) Pensais que vim estabelecer paz na terra? Não, eu vos digo, mas a divisão. De facto, a partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três.” (Luc. 12,49-52)