“Pastor vigilante e bondoso”

Faz hoje 101 anos que, na Sé do Porto, se realizaram as exéquias de D. António Barroso (4/9/1918).

Em 17 de maio passado, foi apresentado o livro «António Barroso e o Vaticano», escrito por D. Carlos Azevedo, que abre assim: “Em figuras cristãs de rara lucidez unem-se exemplar determinação e simplicidade evangélica, transparecem unidas a coragem e a fidelidade ao ideal. Não podem, por isso, negligenciar-se esforços para conhecer os detalhes das suas vidas, o itinerário das suas lutas, a clareza do seu pensamento”.

Por João Alves Dias

São 400 cartas que nos fazem mergulhar na intimidade dum bispo “que não arrasta problemas, antes os enfrenta, não exige o impossível, mas desafia a uma revolução permanente”.

Destas, destacar, em primeiro lugar, a que D. António, sete dias após a implantação da República, escreveu (12/10/1910) a Afonso Costa. É uma carta oportuna e corajosa, notável pelo que revela do seu pensamento e da sua personalidade.

“ Permita V. E. que, com vista nos altos interesses morais que me estão confiados, e que tanto importam ao Estado português, eu venha pedir a V. E. que as medidas, que se diz o Governo Provisório da República Portuguesa tenciona tomar, com respeito a assuntos eclesiásticos, não sejam decretados antes da reunião da Assembleia constituinte, mas sim sejam a ela presentes. Como cidadão português, ouso esperar que o Governo do meu país, nas medidas que sobre tais assuntos houver de tomar ou propor, se inspirará nos elevados princípio e sentimentos de liberdade, de justiça e de equidade, que podem concorrer para a ordem pública e para a tranquilidade e bem de todos, o que certamente constitui a aspiração do Governo.”

D. António não contesta a República, mas, apoiado nos valores de “liberdade, justiça e equidade” e no bem comum – fim último do Estado – pede que seja observada a separação dos poderes que, desde Montesquieu, carateriza os regimes democráticos. Por isso, solicita que o Governo respeite o poder legislativo da Assembleia Constituinte. Em síntese: não apela à Religião mas à Ética e pede Democracia.

Em homenagem às gentes de Vila Real, no primeiro centenário da sua diocese (20/4/1922) e ao seu novo Pastor, D. António Augusto, realço uma segunda carta (28/4/1917). Consultado pelo Núncio Apostólicos obre a criação dessa diocese, D. António começa por afirmar perentório: “Aprovei e aprovo a ideia de criação de uma nova diocese, com sede em Vila Real, ponto importante e centro de comércio e transações, que domina uma larga zona”. Quanto aos recursos materiais para a sua sustentação, diz: “ O povo de Trás-os-Montes é brioso e generoso por índole natural e essas qualidades de raça são das que perduram e com as quais se deve contar. Estão hoje pobres? (…) Os pobres são mais pressurosos em concorrer para a Igreja com o seu óbolo, do que os ricos.”

D. António revela-se e revive nas suas cartas.