Os padrinhos – apontamentos da história (2)

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

A instituição «padrinhos/madrinhas» de Batismo, hoje em crise, tem uma grande história. Acrescentemos alguns testemunhos:

S. Martinho de Braga/Dume (†580), na Instrução dos Rústicos, refere o papel do padrinho que responde pelo afilhado (AL 5031). S. Gregório de Tours (séc. VI) refere o mesmo (AL 5060). S. Cesário de Arles (470-543), recomenda no Sermão 13, 2 que tanto os pais como os padrinhos saibam de cor um mínimo de doutrina (Simbolo, Pai-nosso…) para ensinar as crianças, tanto as geradas como as afilhadas: «Sabei que fostes instituídos garantes, diante de Deus, das crianças que recebestes no batismo; por isso, ensinai e corrigi sem cessar, tanto as que nasceram de vós como as que recebestes das fontes…» (AL 4825). S.to Ildefonso de Toledo (séc. VII) fala dos padrinhos como «aqueles que recebem» os renascidos do ventre da Igreja, isto é, da fonte do Batismo e recorda que lhes compete «instruí-los quer antes quer depois de serem batizados, não só com o exemplo, mas também com as suas palavras» (AL 5625).

Os Ordines Romani XI e XV (s. VIII) testemunham um período de grandes mutações no processo da iniciação cristã, entre outros motivos porque os candidatos à Iniciação cristã já não eram verdadeiros catecúmenos mas antes crianças levadas pelos pais. Os escrutínios aumentam em número (de 3 para 6 e 7), deslocando-se dos domingos para dias de semana. Diríamos que são – em linguagem de hoje – encontros de preparação para o Batismo em que a componente celebrativa era essencial e em que participavam, com os pequeninos a batizar, os pais e os padrinhos que são designados como «os que vão receber» as crianças a batizar e que têm ações a desempenhar tanto nos escrutínios prévios como na celebração dos sacramentos (AL 5952, 5962, 5967, 5970, 5973, 5977, 6131, 6143, 6173).

O Eucológio Bizantino de Goar (séc. VIII) menciona o padrinho que responde pelo catecúmeno quando este não é capaz (AL 6492). Nos outros Ritos orientais (Arménio, Maronita…) está igualmente prevista a intervenção dos padrinhos.

No Ocidente, o concílio de Mogúncia/Mainz, em 813, comete aos padrinhos a obrigação de educarem na fé aqueles que sustentaram na pia batismal e proíbe os pais naturais de atuarem como padrinhos dos seus próprios filhos. Essa era já a prática habitual: o Batismo ampliava a família espiritual com os padrinhos e madrinhas, chamados a cooperar com os pais na missão de educadores da fé. É óbvio que não poderiam ser os pais a cooperarem consigo mesmos…

Façamos uma pausa neste abreviado percurso histórico e avaliemos um pouco os resultados. Na verdade, não nos movem intuitos de erudição mas sim o propósito de melhor identificar o perfil e missão desta instituição que hoje se encontra em grave crise, correndo o risco de se extinguir por ter perdido a sua identidade e razão de ser.

Vimos que, no primeiro milénio, os padrinhos, com variada designação, intervinham ativamente no processo da iniciação cristã antes, durante e depois da celebração dos sacramentos correspondentes. Quando a Confirmação se destaca do conjunto dos sacramentos da Iniciação cristã, aos padrinhos de batismo somar-se-ão os de Crisma com idêntica missão.

Antes, quando funcionava um verdadeiro catecumenado, eram garantes e fiadores perante a comunidade cristã da sinceridade da conversão dos catecúmenos bem como companhia e apoio destes na preparação, purificação e iluminação até à receção da graça da vida nova.

Durante, no próprio ato central da regeneração batismal, estavam presentes, acompanhando os eleitos até à fonte batismal onde eles se despojavam do homem velho; no caso de párvulos, incapazes de falar por si, eles próprios (a princípio seriam os próprios pais a fazê-lo, responsabilidade gradualmente transferida para os padrinhos) os representavam nas imprescindíveis renunciações e profissão de fé; e recebendo-os à saída da fonte como novas criaturas, nascidas da água e do Espírito, revestindo-os da veste alva e resplandecente, símbolo da vida nova em Cristo.

E depois, sobretudo no caso da iniciação cristã de infantes, pequeninos (situação progressivamente generalizada), assumindo o encargo da catequese subsequente, da exemplaridade de vida, do testemunho coerente e consequente da fé, a ponto de se tornarem verdadeiros «pais/mães» espirituais, sendo os batizados, por eles recebidos no batismo, assimilados a filhos seus – «afilhados» – e, consequentemente, passando eles a ser «com-padres» e «com-madres», verdadeiros pais e mães juntamente com quem os tinham gerado para esta vida mortal.

Este parentesco espiritual era tudo menos metafórico ou fictício. Era uma realidade tal que o imperador Justiniano, num decreto de 530, proibiu o casamento entre padrinho/as e afilhada/os, norma que transitou para o Corpus Juris Civilis, compilação do Direito Romano com influência decisiva nos posteriores ordenamentos jurídicos. Aliás os impedimentos matrimoniais pelo parentesco espiritual contraído na celebração do Batismo foram-se ampliando nos séculos seguintes. Em suma, os padrinhos dilatavam a família natural, abrindo-a a uma mais alargada família espiritual.