Por João Alves Dias
“Uma realidade sem fronteiras que se consegue ouvir no silêncio.”
Quando a Academia Sueca atribui o ‘Prémio Nobel da Literatura’, procuro informar-me sobre a biografia do laureado e, se possível, ler uma das suas obras.
Assim aconteceu com Jon Fosse, ‘Prémio Nobel de Literatura de 2023’, com “uma prosa inovadora que dá voz ao indizível”, como afirmou a Academia.
Norueguês, nascido em 1959, ‘”num país de maioria luterana, afirma-se claramente como católico”.
Cresceu numa família que seguia o pietismo, a forma mais austera de luteranismo, tornou-se ateu durante a juventude, e, em 2013, converteu-se ao catolicismo onde, disse, “encontrou uma certa forma de paz”.
Para melhor o dar a conhecer, partilho convosco duas publicações bem recentes: uma entrevista publicada pelo ‘Público’ (22/3/2024) e uma carta transcrita pelo ‘7Margens’, no dia Mundial do Teatro
- Entrevista – “A minha escrita tirou-me do ateísmo”
. Pergunta – A sua aproximação à Igreja Católica alterou a sua escrita?
. Resposta – “Não, o que mudou a minha escrita foi o pensamento de Eckhart (Frade dominicano, teólogo, filósofo e místico -1260 -1328). A Igreja chegou já muito tarde à minha vida. Mas já nos anos 1980 tive um período em que ia à missa. O catolicismo influenciou o Septologia, disso não tenho dúvidas, é óbvio. (…)
. P. – “Já era crente quando começou a ler Eckhart,
. R. – “Considerei-me ateu durante muitos anos. Não se consegue explicar o que acontece ao escrever numa visão apenas materialista, é impossível. Como a música de Bach, não se consegue explicar de onde vem, é impossível. Foi como se um espírito se tivesse aberto para mim, a que eu chamo desconhecido, e eu tornei-me próximo disso. Quando as pessoas me perguntavam se acreditava em Deus, comecei a responder que sim. Que sou crente. (…)
. P. – Em “Manhã e Noite”, escreve que Deus está ao mesmo tempo próximo e longe. E neste último fala em ouvir a voz de Deus no nada…
. R. – “Para mim, o nada é simplesmente uma palavra, e Deus é o oposto. (…) Só entendendo os atributos de Deus, assim pode-se falar com Ele, ou rezar, sentir a Sua proximidade, a distância, que Ele é uma realidade que não se consegue descrever. Uma realidade sem fronteiras que se consegue ouvir no silêncio.
- Carta – “A arte é paz”
“Cada pessoa é única e, ainda assim, como qualquer outra pessoa. A nossa aparência externa visível é diferente da de todos os outros, é claro, e isso é muito bom, mas também há algo dentro de cada um de nós que nos pertence exclusivamente – que é somente nosso. Poderíamos chamar a isso o espírito ou a alma. (…)
Mas embora sejamos todos diferentes uns dos outros, também somos parecidos. Pessoas de todas as partes do mundo são fundamentalmente semelhantes, não importa que língua falemos, que cor de pele tenhamos, de que tom seja o nosso cabelo.
Isto pode ser uma espécie de paradoxo: somos completamente iguais e totalmente diferentes ao mesmo tempo. Talvez cada pessoa seja intrinsecamente paradoxal, na sua ligação entre corpo e alma – tendo em si tanto a existência mais terrena e tangível quanto algo que transcende esses limites materiais e mundanos.
Toda a boa arte (…) contém um mistério, por assim dizer. Algo que nos fascina e, portanto, nos empurra para além dos nossos limites e, ao fazê-lo, cria a transcendência que toda a arte deve conter em si mesma e à qual deve conduzir-nos.
Não conheço nenhuma maneira melhor de unir os opostos. Esta é a abordagem exatamente oposta à dos conflitos violentos que vemos com demasiada frequência no mundo. (…) Porque as pessoas também têm um lado animalesco, movido pelo instinto de experimentar o outro, o estrangeiro, como uma ameaça à própria existência e não como um mistério fascinante. (…)
A guerra é, portanto, a batalha contra o que está profundamente dentro de todos nós: algo único. E é também uma batalha contra a arte, contra o que está no cerne de toda a arte. (…)
A guerra e a arte são opostas, tal como a guerra e a paz são opostas – é tão simples quanto isso. Arte é paz
(Continua)