“Inclina-te um pouco!”

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Isto recomenda o Missal ao sacerdote, antes de pronunciar as palavras de Cristo, na Narração da Instituição e Consagração. Ao falar das inclinações, a IGMR, diz no nº 274:

“Além disso, o sacerdote faz uma pequena inclinação enquanto diz as palavras do Senhor, na consagração”.

Qual o sentido desta inclinação?

Haveria que recordar aqui que a inclinação (tal como a genuflexão, a(s) mão(s), o dedo, a unção, a água, a nuvem, o fogo, etc.) faz parte da linguagem pneumatológica não verbal da liturgia. Na Oração Eucarística (ou Prece Eucarística, Cânone, Anáfora…) isso é patente.

O centro da Anáfora consta de um bloco que vai desde a epiclese sobre os dons, invocando a conversão/consagração dos mesmos (momento assinalado com o gesto epiclético da imposição das mãos), à epiclese sobre os participantes em ordem à sua comunhão e santificação num só Corpo e num só Espírito, já depois da narração da Instituição, anamnese e oblação. Na nova edição do Missal está previsto o canto de todo esse coração da Prece Eucarística e os eventuais concelebrantes recitam-no em voz baixa, conjuntamente. Assim: na Anáfora I (Cânone Romano), desde “Santificai, Senhor, esta oblação” até “alcancemos a plenitude das bênçãos e graças do Céu”; na Anáfora II, desde “Santificai estes dons” até “estejamos reunidos, pelo Espírito Santo, num só Corpo”; na Anáfora III, desde “santificai, pelo Espírito Santo” até “sejamos em Cristo um só corpo e um só espírito”; na Anáfora IV, desde “Nós Vos pedimos, Senhor” até para louvor da vossa glória”. E, do mesmo modo, nas outras orações eucarísticas, quer no apêndice ao Ordinário da Missa, quer no Apêndice IV do Missal.

A anáfora é, como diz a Instrução Geral do Missal Romano, “o ponto central e culminante de toda a celebração” (n. 78). Forma uma unidade que vai desde o diálogo inicial do Prefácio até ao Amen (o grande e explosivo Amen) da Doxologia final. É toda ela uma «oração de ação de graças e de consagração» (ibid.). Não obstante, poderemos destacar nela (não isolar!), de algum modo, este bloco mais central. Ensina o Catecismo da Igreja Católica, nº 1106:

“Com a Anamnese, a Epiclese está no centro de toda a celebração sacramental, e muito particularmente da Eucaristia”.

Pois bem, no centro deste centro, destaca-se a Narração da instituição. Importa compreender que estamos perante um movimento único, a grande ação, a obra das obras, a Opus Dei por excelência. Não são trechos destacáveis mas antes ondas concêntricas, penetradas por um mesmo dinamismo que as unifica. Por isso, esta “narração” não é um mero relato ou mais uma leitura evangélica – a Liturgia da Palavra já foi. Tampouco é uma fórmula de efeito automático. Agora não é o registo informativo da palavra que prevalece, mas sim o seu poder performativo: é a atualização da palavra de Cristo, Palavra do Verbo Criador que faz o que diz, na força do Espírito Santo. Alguns acordos ecuménicos chamaram, muito bem, a atenção para isso mesmo: a consagração eucarística é obra da Palavra de Cristo e do Espírito criador. E na mesma linha se colocou o Catecismo da Igreja Católica (veja-se o título que precede o nº 1373; cf. 1106, 1353, 1375, 1412).

A rubrica do Missal que manda ao sacerdote que se incline um pouco antes de pronunciar as palavras de Cristo está, pois, prenhe de sentido. Exprime que ele, mais do que realizar um ato de poder, como se fosse o protagonista, profere essas palavras no âmbito da Epiclese. Não são palavras suas que possa dizer com autoridade própria! Por isso, inclina-se em correspondência a uma invocação do Espírito Santo. Nenhum azo a uma interpretação altaneira e emproada do «in persona Christi (Capitis)» que só pode ser humilde e ministerial. Inclinando-se um pouco, toma consciência e exprime que não é dono da Eucaristia, mas ministro, e que tanto ele como a assembleia recebem a Eucaristia de Outro, do Senhor da Igreja, de Cristo, na força do Espírito. S. João Crisóstomo dá a seguinte explicação:

O sacerdote não toma os dons antes de ter invocado a graça de Deus pois que o sacerdote não pode fazer o que quer. É graça do Espírito, que vem e cobre com a sua sombra, que realiza este sacrifício místico”.

Quem julgas que és, padre ou bispo que presides ao grande mistério? Quem julgas que és? Sê, simplesmente, servidor da Obra de Deus! «Inclina-te um pouco»! Reconhece que não são tuas as Palavras que dão à Igreja o mistério da fé, consente que a brisa do Espírito vibre nos teus lábios para alegria do coração da Amada formada na Hora do coração rasgado.

O sacerdote inclina-se um pouco! – Eis uma rubrica singela que vale uma celebração. O rubricismo, de que devemos fugir, é filho da ignorância e do desleixo que esvazia os gestos porque perdeu o enlevo do amor e o fascínio do mistério.