Por Bruno Ferreira*
A Solenidade da Santíssima Trindade, celebrada no domingo a seguir ao Pentecostes, é de grande importância no calendário de muitas Igrejas cristãs, pois é o momento do ano em que se concentra um dos principais (e mais luminosos) mistérios da fé, a comunhão de amor que faz das Três Pessoas divinas um só Deus. É uma festividade germinada e alimentada pela devoção à Trindade que floresceu na época medieval e, em várias confissões cristãs, marca o fim dos “tempos fortes” do ano: pode ser interessante recordar, neste contexto, que as Cantatas de Bach destinadas ao que chamamos “Tempo Comum” são indicadas com o número do domingo “depois da Trindade”.
Muitas peças esplêndidas foram compostas em honra da Trindade; algumas delas apresentam maravilhosas representações simbólicas do mistério, que, nalguns casos, estão entre as imagens mais eficazes criadas pela mente humana para transmitir uma ideia do mistério a outras pessoas através de conceitos e através da beleza (pensemos no Duo Seraphim de Monteverdi ou aquele de Guerrero, o Et in Spiritum Sanctum do Credo da Missa em Si Menor de Bach).
Tchaikovski: Kheruvimskaja (Hino dos Querubins), op. 41 nº 6
Russo:
Иже херувимы тайно образующе и Животворящей Троице Трисвятую песнь припевающе, всякое ныне житейское отложим попечение.
|
Tradução portuguesa:
Que nós, na imagem mística dos Querubins, elevando à Trindade, fonte de vida, um hino Três Vezes Santo, abandonemos agora todas as preocupações mundanas. Amém! Recebamos o Senhor de Todos, invisivelmente elevado pelas hostes angélicas. Aleluia! Aleluia! Aleluia!
|
A obra que apresentamos para esta Solenidade da Santíssima Trindade pertence decididamente à tradição litúrgica, mas da Igreja Ortodoxa, o hino querúbico, um hino trinitário estupendo que faz parte da Divina Liturgia de S. João Crisóstomo (o nome pelo qual os ortodoxos se referem ao rito eucarístico na mais utilizada das duas formas principais), e que se inspira abundantemente, por sua vez, nas Escrituras, evocando em particular as visões celestiais de Isaías, Ezequiel e do Apocalipse.
O compositor Piotr Ilitch Tchaikovski (1840-1893), um dos mais importantes do Romantismo russo, compôs esta peça musical para quinze peças da Divina Liturgia em 1878; como ele, outros grandes músicos, incluindo Sergei Rachmaninov, dedicaram-se a esta tarefa, também, provavelmente, para emular a atenção dos compositores ocidentais ao Ordinarium Missae católico.
A peça Kheruvimskaja pesn’ (Hino dos Querubins) (https://www.youtube.com/watch?v=3U34NFoB258) (para coro SATB) é de um requinte encantador e de um profundo misticismo, e consegue traduzir estupendamente em música o sentimento religioso, antigo e intenso, que impregna a piedade russa; não só isso, mas a oração coral ecoa verdadeiramente o louvor dos Querubins evocado pelo texto, e está impregnada de uma adoração ao mesmo tempo encantada e alegre, onde há lugar para a sensação impressionante da alteridade radical de Deus, mas também para um sentimento de confiança, amor e segurança.
*sacerdote e aluno de Composição no Pontifício Instituto de Musica Sacra (PIMS), em Roma