Aclamação de Anamnese: uma riqueza a valorizar

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

A aclamação de anamnese no rito romano é uma «novidade» do Missal promulgado por Paulo VI, após a revisão decretada pelo II Concílio do Vaticano. Lê-se na Constituição Apostólica Missale Romanum de 3 de abril de 1969: «As palavras “Mistério da fé” são destacadas das palavras de Cristo Senhor e proferidas pelo sacerdote como introdução à aclamação dos fiéis» (MR 2022, p. 16). Até então, esta expressão era interpolada nas palavras do Senhor sobre o cálice: «Hic este enim cálix sanguinis mei, novi et aeterni testamenti, mysterium fidei, qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccatorum = Este é, pois, o cálice do meu sangue, da nova e eterna aliança, mistério da fé, que será derramado por vós e por muitos para remissão dos pecados…»

Acontece que o sintagma «Mysterium fidei» não consta em nenhum dos quatro relatos bíblicos da instituição eucarística. Uma maior sensibilidade bíblica preconizava a sua omissão. Mas, por outro lado, essa era uma expressão particularmente querida ao Papa Paulo VI. Basta recordar que com essas palavras – Mysterium fidei – começou a sua terceira encíclica sobre a doutrina e o culto da Santíssima Eucaristia (3 de setembro de 1965). Não surpreende que tenha sido o próprio Papa a sugerir que essa expressão se mantivesse logo a seguir às palavras de Cristo, eventualmente introduzindo uma aclamação dos fiéis.

A aclamação de anamnese está bem atestada pela tradição litúrgica do Oriente cristão. Na Antologia Litúrgica editada pelo SNL podem encontrar-se diversos exemplos (2275, 4639, 4670, 4686, 4722). O Ordo Missae de 1969 (integrado no MR de 1970 e seguintes) apresentava uma proposta no lugar próprio: «Mortem tuam annuntiamus, Domine, et tuam resurrectionem confitemur, donec vénias» – «Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!». Em apêndice, o Ordinário da Missa apresentava mais duas opções para essa aclamação: «Quotiescumque manducamus panem hunc et calicem bibimus, mortem tuam annuntiamus, Domine, donec vénias»; «Salvator mundi, salva nos, qui per crucem et resurrectionem tuam liberasti nos». Nas primeiras edições portuguesas, essas alternativas, remetidas para apêndice, não chegaram verdadeiramente a entrar em uso. Eis a tradução então adotada, marcadamente literal: «Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor a Vossa morte, enquanto aguardamos a Vossa vinda!»; «Salvador do mundo, salvai-nos, Vós que nos libertastes pela cruz e ressurreição».

A edição portuguesa de 1992 do Missal Romano coloca pela primeira vez as três propostas no seu lugar próprio, no Ordinário da Missa. A tradução foi então cuidadosamente revista. Da proposta do presidente desapareceu um «eis» demonstrativo – «Eis o mistério da fé!» – que apontava as espécies, como se o mistério da fé se referisse à presença real de Cristo nas espécies acabadas de consagrar. Ora o texto das aclamações é mais abrangente e aponta antes para a páscoa do Senhor e para a sua parusia como conteúdo do mistério. Diremos, em linguagem teológica, que as aclamações sublinham mais a presença do sacrifício e de toda a história da salvação, o que não deixa de pressupor a presença pessoal do Redentor que é aclamado. Note-se que nestas aclamações o povo santo se dirige à Pessoa divina do Filho (como no Kyrie e no Agnus Dei) antecipando-se ao sacerdote que faz em seguida a anamnese, em oração dirigida à Pessoa do Pai.

Na atual edição do MR mantém-se a revisão feita em 1992 do texto da segunda e terceira aclamação de anamnese. Com as mudanças então introduzidas, o uso das alternativas tornou-se «operacional». De facto, para tornar possível esta variedade sem provocar a confusão da assembleia, a proposta do presidente varia também, conforme a resposta. Assim, a primeira forma mantém-se inalterada: «Mistério da fé! – Anunciamos…»; segunda forma: «Mistério admirável da nossa fé! – Quando comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, esperando a vossa vinda gloriosa»; terceira forma: «Mistério da fé para a salvação do mundo!Glória a Vós, que morrestes na cruz e agora viveis para sempre. Salvador do mundo, salvai-nos. Vinde, Senhor Jesus!».

Para que as alternâncias funcionem e a comunidade aprenda a forma correta de participar, têm de se respeitar sempre os nexos proposta-resposta, sem permutações indevidas. À segunda e terceira proposta do presidente não se pode aceitar como resposta a que está prevista para a primeira forma. Isso é gerar confusão, anulando a pedagogia do Missal. Naturalmente, a assembleia terá de ser guiada até que aprenda a resposta correta a cada proposta de aclamação. Felizmente temos a ajuda do canto, fornecendo o Missal as melodias indispensáveis. Sugerimos que cada alternativa se cante durante alguns domingos seguidos, até estar bem sabida. Por exemplo: a segunda forma poderá cantar-se no tempo de Advento e Natal; a terceira forma adequa-se bem ao tempo da Quaresma e Pascal…