Por M. Correia Fernandes
Cumprem-se este ano 50 anos dos acontecimentos ocorridos em 25 de abril de 1974. Designado por uns como uma espécie de golpe de estado, por outros como um princípio de revolução social, com um programa assente nos três princípios de descolonizar, democratizar e desenvolver, originou um movimento cívico e social que foi na generalidade bem acolhido pela sociedade. A celebração do primeiro de maio desse ano foi um acontecimento social e cívico de grande significado. É evidente que as forças sociais e políticas quiseram depois orientar os acontecimentos em seu favor ou segundo a sua ideologia e seus projetos.
Quiseram os Bispos Portugueses emitir, em 11 de abril de 2024, uma “Nota Pastoral no cinquentenário da Revolução do 25 de abril de 1974”, aceitando assim o epíteto de “revolução”, assinalando o caminho percorrido, com o papel da Igreja portuguesa e os aspectos do seu envolvimento na sociedade, na cultura e na mentalidade do país, das instituições e do sentimento popular.
É significativo que o documento parta da “Pacem in Terris”, de João XXIII, da qual se lembrava na altura o 10.º aniversário, para evidenciar a proposta dos verdadeiros padrões de vida moral e cívica que deviam impregnar a sociedade inteira. Lembram também outra carta pastoral publicada em 16 de julho desse ano de 1974, em que se valorizava quer o conceito cristão de democracia, quer o respeito pelas agregações naturais e solidárias, como a família, e com apelo à participação consciente dos grupos e movimentos católicos na edificação dos valores humanos e sociais da prática política. Este é aliás um dado reconhecido nas análises que têm sido feitas por diferentes estudos e iniciativas de investigação sociológica.
Propõem depois os Bispo a continuidade destas dimensões da ação cristã nos tempos atuais. Ideias centrais são o respeito pela pessoa humana, a valorização da família, da habitação e do trabalho como valores sociais, o impulso solidário que tanta falta faz nos movimentos hodiernos e o bom uso das liberdades cívicas de que podemos usufruir nos dias de hoje, mas que nem sempre seguem os caminhos prístinos do respeito mútuo, do bem comum, do convívio fraterno.
São pois ideias centrais: a democracia e o seu exercício criativo, na corresponsabilidade dos cidadãos; a edificação da paz no relacionamento pessoal e social; o sentido do desenvolvimento equilibrado como verdadeiro objetivo de toda a ação política. Termina o documento recordando os quatro princípios permanentes da doutrina social da Igreja: dignidade da pessoa, bem comum, subsidiariedade e solidariedade.
Na apresentação de um novo livro sobre o universo nacional saído do 25 de abril, é feito apelo à participação dos cristãos na edificação do espírito democrático, na preparação e na construção da democracia. Acentuou-se a atitude da Igreja Católica, tanto na edificação do espírito cívico e de liberdade política, quer no envolvimento na transformação social, em atitude considerada “atenta e expectante” perante o movimento social emergente, sendo valorizado o papel dos grupos cristãos em ações e democratização da vida política, na defesa dos direitos humanos e do equilíbrio social em face aos movimentos de revolução.
Importante é lembrar o conceito de subsidiariedade, esquecido na prática política e na legislação emergente: a importância de dar lugar e espaço às organizações e instituições que atuam nos terrenos sociais, que devem merecer a atenção do Estado para a sua presença e ação junto das populações e sobre as quais o Estado exerce mais domínio e controlo do que reconhecimento e apoio. As respostas locais devem ser dadas por quem está mais próximo da realidade e as instâncias superiores devem fazê-lo, como parte da rede social de entreajuda e colaboração.
Esperemos, pois, que as celebrações da memória tão variada e por vezes contrastante do fenómeno social, cultural, político e económico designado com “25 de abril” possam ajudar a conduzir a caminhos de desenvolvimento e convivência, superando conflitos estéreis e buscando caminhos de encontro e colaboração.