Cinema visto pela Teologia (105): “Um homem para a eternidade”

Uma leitura do filme “Um homem para a Eternidade​​

Por Alexandre Freire Duarte

Foi difícil a escolha para o melhor filme da década de sessenta do séc. XX, mas a minha vida só poderia escolher esta obra sobre o conflito entre Thomas More e Henrique VIII. Reconheço-a um pouco marcada pelo tempo, todavia, continua a ser brilhante, bela, profunda, inspirada e inspiradora, clara e sólida no seu vívido retrato cinematográfico da dura retidão da consciência. Agrestemente inteligente e com diálogos e monólogos de antologia, este filme destaca-se sobretudo por nos afetar com elegância incisiva e nua.

Os atores são uniformemente excelentes, em especial: Scofield (suave, firme, estratificado e luminoso), Shaw (volátil, frívolo, másculo, excêntrico e sedutor); McKern (malévolo até ao tutano do quase diabólico), e Hiller (pragmática e brusca, mas cuidadosa). Os cenários medievais, embora autênticos e penetrantes, só no tribunal é que nos absorvem, pois a câmara é decorosa, sensível e focada no essencial, sem deixar de mostrar, com verosimilhança e nuances, todos os contrastes que são postos diante de nós.

Jesus disse-nos para sermos, simultaneamente, como as pombas e as serpentes; isto é, inocentes e astutos ante uma mundanidade que nos é intencionalmente hostil. Mas, mesmo assim, há momentos em que, ou nos dobramos maleavelmente e perdemos tudo o que somos enquanto pessoas, ou nos quebramos e não transigimos com o circunstancial, mantendo a nossa identidade e dignidade. Em que mantemos a cabeça erguida, como o Senhor, no meio de todos, mantendo a liberdade de coração sem lhes sermos alheios.

Que diremos a Deus acerca de quem somos quando estivermos, juntos e contando com a ajuda de todos, pela primeira vez face-a-face com Ele? Os nossos nomes de hoje serão só para as lápides se não testemunharem o nome que o “Apocalipse” diz que todos temos escritos numa “pedra branca” (sinal de, melhor ou pior, havermos passado a viver no Senhor com a colaboração do Espírito que atua na Igreja constituída por quem ama).

Que diremos então nesse “momento”? Não sei. Mas gostaria que morrêssemos a “dizer” algo como: “Jesus; agora é contigo”. E isto, pois crendo que, mesmo como pecadores, nunca teremos perdido a nossa vontade de em tudo amar e confiar na Sua infinita misericórdia. Talvez assim, e naquela ocasião, logremos dizer: “Pai, Tu que Te expressas dando-Te, quero persistir a ser todo Teu em comunhão com todos os demais”.

É possível que nos “cortem a cabeça” por querermos isto e por vivermos na crespa verdade de estarmos em Cristo. A verdade que não permite que nos reinventemos segundo as modas; que nos mostra que só nos libertaremos do sofrimento e da morte espiritual, sofrendo como efeito de amarmos a todos (até aos “Judas” que nos amam) e morrendo fruto de deixarmos ir expirando o que em nós nos está a matar espiritualmente.

É duro viver, com integridade, segundo as nossas convicções cristãs e em todas as ocorrências, mas saibamos que estaremos sempre do lado de Deus (por mais que Deus, quanto a Si, esteja ao lado de todos). Seguir a Cristo é pesado. O discipulado não é para ser idealizado, por mais que o amor, quando veraz, supere, ultrapasse, surpreenda e sobrestime, pois nunca permitirá que haja um “eu” e um “Cristo”, mas tão-somente um nós n’Ele. Isto é a Eternidade; aquela que já vai sendo moldada hoje pela envergadura do dom que fazemos das nossas pessoas, não por uma vaga ideologia, mas pelo Deus-Amor.

(Reino Unido; 1966; dirigido por Fred Zinnemann; com Paul Scofield, Robert Shaw, Leo McKern, Orson Welles e Wendy Hiller)