Por M. Correia Fernandes
O país encontra-se na situação de digerir os resultados eleitorais do passado domingo 10 de março. Vários foram os dados verificados que exigem novas formas de abordagem da atividade política e de governação do país. Registou-se uma louvável descida da abstenção, embora esta ainda seja elevada, superior à votação em qualquer dos partidos. É um facto que, por diversas razões, nos deve inquietar: que a população portuguesa não viva o sentido pleno do valor das eleições, e essa é uma das dimensões da atividade política que não tem sido valorizada e que importa valorizar.
Vai ser difícil constituir um governo estável no país, e esse é um drama que nos vai afetar negativamente, ao longo dos próximos tempos, nas diversas dimensões da nossa convivência: política, económica, social, laboral, profissional, institucional.
Importa pois procurar caminhos que conduzam a soluções. Alguns princípios orientadores deveriam subjazer às palavras, às negociações e às atitudes.
Permito lembrar o princípio fundamental proposto pelo Papa Francisco: é preciso criar a dimensão prática daquilo a que chama o amor político, entendido como o espírito da caridade evangélica que enobrece a ação política e lhe dá sentido. Francisco propôs este conceito de “amor político” quer na encíclica Laudato Sì quer depois na Fratelli Tutti, considerando o “amor político” como o caminho do desenvolvimento humano integral e solidário, e lembrando que os problemas sociais e os movimentos culturais exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. “Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade” (n. 180).
Esta deve ser uma pista a seguir na superação das dificuldades que os resultados das últimas eleições levantarão. As declarações pós-eleitorais parece não favorecerem esta dimensão.
Outra linha de propostas é a que poderia inspirar-se nos múltiplos exemplos das iniciativas das comunidades eclesiais em todo o país. Para além das dinâmicas vividas e transmitidas na Jornada Mundial da Juventude, que trouxe um manancial de gestos, atitudes e propostas de alto valor humano, artístico, solidário, espiritual, podemos ler nas notícias de cada dia (jornalisticamente não valorizadas) como nas mais diversas comunidades se afirmam projetos de atenção social e de desenvolvimento comunitário que deveriam servir de modelo social alargado, portanto também modelo de ação política.
Se o diálogo entre partidos, sobretudo os mais votados, deve constituir o caminho para um encontro de soluções governativas e de convivência social equilibrada, conforme propõe a Comissão Nacional Justiça e Paz, poderia chegar-se ao encontro de consensos, compromissos e pontos de contacto, que conduzam a salvaguardar o equilíbrio nacional, que é também a finalidade e a razão de ser dos partidos e organizações políticas.
Este tempo quaresmal em que se realizaram as eleições está cheio de propostas socialmente positivas, a começar pelo perdão, pela reconciliação, pela afirmação evangélica de que a ação de Jesus não foi para condenar o mundo em as atividades humanas, mas para lhe trazer caminhos de salvação. As nobres atividades humanas tornam-se os caminhos de salvação. E as negativas tornam-se os caminhos da destruição, e esse é o pecado de que nos devemos redimir.
Coisa difícil, porque o egoísmo humano, o pessoal, o social e o político se sobrepõem a todas as soluções. Mais que o combate à corrupção, tão enfatizado nas propostas, importa efetuar o combate pela honestidade de vida, honestidade dos projetos, equilíbrio das propostas de desenvolvimento e projetos de valorização real da convivência humana.
Outra linha ainda que deveria tornar-se caminho de ação e de prática deve ser o controlo da linguagem política e da linguagem do relacionamento. A campanha leitoral foi infelizmente pródiga em linguagem agressiva, de contraposição de projetos e de acusação mútua de responsabilidades pelos falhanços sociais.
Importará interiorizar uma linguagem da valorização das atividades e dos projetos, esperando criar convicções e conduzir a soluções orientadas para o bem comum. Na palavra de Francisco:
Nunca está terminada a construção da paz social num país, mas é uma tarefa que exige o compromisso de todos. Importa criar uma nova cultura política e governativa que deve tornar-se a cultura do encontro: que no centro de toda a ação política, social e económica, se coloque a pessoa humana, a sua sublime dignidade e o respeito pelo bem comum. (Fratelli, 232)
Certamente todos aceitam este ideal. Os caminhos da sua realização é que são o drama…