Por M. Correia Fernandes
Estamos a dias de abrirmos as nossas capacidades de conhecimento sobre a governação do país, a partir dos resultados a sair das eleições com que fomos desnecessariamente confrontados. Por isso importa que orientemos as nossas mentes para os futuros esquemas da governação.
Passados que sejam os discursos e as diatribes característicos da qualquer campanha eleitoral, em que o ataque mútuo substitui as propostas construtivas, importa que o país pense como quer ser governado. A contribuição dos cidadãos pode e deve ser um caminho para que isso aconteça.
Seja-nos permitido, a partir da simplicidade e limitação das nossas condições de divulgação propor algumas reflexões.
1 A primeira observação é: precisamos de um governo mais essencial e orientado para os espaços da orientação social do país. O que quer significar um governo mais pequeno, mais funcional e mais ativo. Olhando à estrutura do governo que agora conclui o seu exercício, verificamos a sua estranha característica mastodôntica. Surgem ministérios cuja identidade funcional se ignora, tão alargado que pode ser o seu âmbito de ação.
A observação da sua constituição é o tamanho: apresenta 18 ministérios. De alguns deles não se vislumbra o conteúdo das suas competências, como um ministério do Ambiente e da Ação Climática, ou um ministério da Coesão Territorial. O quadro de ação destes ministérios cruza-se com o de outros ministérios, originando assim o perigoso e frustrante caminho da burocracia, que se torna uma instituição governamental. Com efeito a coesão e o ambiente passam por todos os outros ministérios, e por isso para qualquer assunto ou projeto as decisões têm de circular entre eles e nunca se sabe bem de qual é a competência. O resultado é que as coisas não se resolvem ou só se resolvem tardiamente, depois de infindáveis consultas.
Sabemos que é moda haver um ministério do ambiente. Mas quem manda ou orienta ao ambiente ou o clima? Serão certamente outros ministérios ou atividades deles dependentes, como a agricultura, a indústria, o comércio e outras atividades sociais, genericamente a economia. Por isso o ambiente é um entre de razão resultante de múltiplas ações e espaços.
O mesmo se diga da coesão territorial. O que é a coesão como componente de um ministério? Poderá ser o universo das ações que possam criar essa ligação, ou seja atividades dependentes de outros ministérios, como a indústria, o comércio, a agricultura, as visas de comunicação e tantos outros componentes. Qual o resultado? As decisões ou os projetos saltam de ministério em ministério e desaparece a própria coesão. Os ministérios devem ter por base as atividades concretas da atividade social e não o universo das suas relações.
Por isso a norma governativa deverá ser: governo com menos ministérios para que possam ser melhores e mais funcionais. Não sejam para criar problemas ou burocracias, mas para encontrar e viabilizar soluções.
Também não se capta como necessidade a existência de ministros adjuntos, depois acrescentados com a multiplicação dos secretários de Estado. Algo que sempre me fez confusão é que tenhamos ministro da edução e secretário de estado da educação, ministro adjunto e secretário de estados adjunto, para as mesas funções. Daí que surjam num governo 40 secretários de Estado, o que convenhamos é demais… A norma deve ser: Menos ministérios, e orientados para as atividades concretas da vida social.
2 Segunda norma a superar: diminuir na governação a carga burocrática. É uma queixa com que qualquer utente dos serviços públicos frequentemente avança: o excesso de burocracia. Toda a gente critica, mas todas as estruturas governativas a não governativas a potencializam, como o excesso de ministérios ou a multiplicação de normas para justificar os ministérios.
Consultados os dicionários, podemos encontrar definições como império dos gabinetes, depois traduzido em definições e normas baseadas na organização de serviços ou divisão de tarefas ou competências, “que privilegia as funções hierárquicas de maneira a dispor de uma grande quantidade de trabalho de uma forma rotineira”, ou “influência abusiva da administração, impedindo o prosseguimento de uma ação com procedimentos oficiais desnecessários”.
A superação destas situações é uma exigência social, quer para os cidadãos como para os próprios serviços e sua funcionalidade social.
3 Uma terceira proposta para o governo: desenvolver a capacidade de escuta e de diálogo social. Isto passa pela definição de prioridades nos projetos apresentados. Implica falar e discutir apenas sobre o que é útil e realizável em tempo oportuno, em vez de projetos que fomentam a discussão e a que nunca é dado andamento. Não são apenas os aeroportos ou a alta velocidade, mas tantos projetos de imediata e necessária atualidade que encostam nas discussões e não chegam às realizações.
4 É indispensável valorizar os meios de uma comunicação social fundamentada, que supere a comunicação infundada e interesseira, como a que cada vez mais se afirma nas chamadas “redes sociais”, fonte de falsidades e de mentira interesseira. Podemos verificar por exemplo como os meios de comunicação local e regional podem desempenhar uma função formativa e pedagógica nesse domínio e devem ser apoiados nesse mesmo sentido.
5 Outra recomendação: criar e orientar uma dimensão social e informativa, capaz de tornar a chamada Inteligência artificial para o serviço da pessoa e da sociedade, ajudando a superar a dimensão manipuladora que se tem vindo a afirmar, facto para o qual o Papa Francisco veio também chamar a atenção.
E já que afalamos no Papa Francisco, recomendamos aos futuros governantes a leitura cuidada da mensagem do Dia da Paz deste ano, em que este tema da inteligência artificial é abordado pelo prisma da dignidade da pessoa e da sociedade.
Tudo isto pode ser motivo para os responsáveis lembrarem alguns conceitos orientadores: o apelo à construção nas leis e na prática pelo respeito pela dignidade humana, sendo o diálogo o caminho mais adequado para o entendimento, a orientação pelos valores e não pelas vantagens ou desvantagens dos projetos ou comportamentos.
Em tempo em que se fala muito em cultura e em que se chama cultura a qualquer atividade humana, mesmo sem valor intelectual ou artístico, importa construir uma nova dinâmica de cultura, a cultura da aproximação e do encontro, avessa ao culto da divisão e do confronto.
Um dos conceitos que o Papa Francisco tem vindo a propor nos seus escritos e mensagens, e que custa a entrar na mentalidade social, é o conceito do “amor político”, que poemos considerar expresso por exemplo nesta passagem: “A boa política procura caminhos de construção de comunidade nos diferentes níveis da vida social, a fim de reequilibrar e reordenar a globalização para evitar os seus efeitos desagregadores” (Fratelli Tutti, 182).
Este conceito do amor político, o que busca o bem comum, tem vindo a ocupar recomendações nas últimas mensagens, o que traduz o conceito fundamental de que toda a ação política é uma ação de toda a pessoa, nas suas dimensões mais amplas. Este aproximar da espiritualidade bíblica, evangélica, ética, filosófica, espiritual, ao universo da ação organizativa, histórica, cultural e política constitui uma verdadeira mudança de paradigma na vida das comunidades organizadas.
Pena é que não se tenha ainda dado por isso.