AIS: Aprender a perdoar

D. Jacques Mourad recorda o tempo de cativeiro às mãos de jihadistas

O Arcebispo Católico de Homs é uma figura de grande prestígio na Síria e olhado com muito respeito não só pela comunidade cristã, mas também pelos Muçulmanos. A isso não será alheio o facto de ter sido raptado em 2015 por jihadistas no mosteiro de Mar Elian, onde vivia. Agora, em entrevista à Fundação AIS, recorda esses tempos de cativeiro e fala da necessidade de aprendermos a perdoar, de descobrirmos a compaixão até pelos que não nos querem bem…

Foi raptado a 21 de Maio de 2015 no mosteiro de Mar Elian, onde vivia. Levado por homens armados, jihadistas do Daesh, num dos momentos mais agudos da guerra na Síria, chegou a estar defronte de um pelotão de fuzilamento. Foram cinco meses de uma angústia que nunca mais irá esquecer, mas que o transformou. Desde então, sempre que recorda essa experiência, D. Jacques Mourad fala da urgência do perdão, da necessidade do abandono às mãos de Deus. O monge, que foi ordenado em Março do ano passado Arcebispo sírio-católico de Homs, voltou agora, numa entrevista à Fundação AIS, a folhear os dias, as memórias que ficaram do cárcere e voltou a falar em compaixão. “Perdoar significa dar um lugar no nosso coração a Deus, para que Ele possa perdoar em nós. Como Jesus disse na Cruz: ‘Pai, perdoa-lhes!’. Cada vez que um terrorista entrava na casa de banho onde eu estava preso, sentia compaixão por ele. Embora também tenha sido confrontado com a raiva e outras emoções intensas, naquele momento não tinha tais sentimentos, apenas compaixão. Precisamos de muita humildade para aceitar que nós próprios não somos capazes de algo assim. Tudo o que somos capazes vem de Deus. Incluindo o perdão.” O Arcebispo sírio-católico de Homs confessa mesmo, à Fundação AIS, o que de mais importante ficou dos longos cinco meses de cativeiro. “A coisa mais importante que aprendi naquele tempo foi abandonar-me com confiança nas mãos de Deus. Desde que ando com o Senhor, tenho rezado a oração de Charles de Foucauld todos os dias, e os cinco meses como refém deram-me a oportunidade de a viver de forma muito concreta”, explica.

As prioridades para o país

O cativeiro durou longos cinco meses. Foi em 2015. Desde então, a Síria continua sobressaltada pela violência, pela pobreza extrema. Dificilmente um país consegue libertar-se das consequências terríveis de uma guerra que persiste há mais de 12 anos. Mas como se tudo isso não bastasse, os Sírios sofrem também com as sanções económicas impostas ao regime de Bashar al-Assad pelos Estados Unidos e pela União Europeia. O resultado é um sufoco completo. Quando se olha para a Síria, agora, no início de 2024, quais são as principais prioridades, quais são os maiores desafios que se colocam ao país? “Penso especialmente na educação, que atravessa uma crise muito séria e sensível”, responde o Arcebispo. “Todas as nossas crianças e jovens nas escolas e universidades são afectados. A educação é o futuro do nosso país, e crianças e professores têm o direito a um bom ambiente de trabalho, mas os salários dos professores – apenas 18 a 20 euros por mês – estão abaixo do nível da dignidade humana. Os desafios graves que o nosso país enfrenta são o resultado da corrupção e das sanções opressivas contra a Síria, que afectam directamente o povo”, acrescenta. Mas há outras fontes de preocupação para D. Jacques Mourad. A emigração em massa é um desses problemas. “Vemos famílias que deixam a Síria porque desejam garantir uma vida melhor para os seus filhos. Perderam a esperança e a confiança neste país, e não querem que os filhos vivam num lugar onde não estão seguros. Há também muitos jovens que optam por emigrar, e isso também gera problemas consideráveis. Como a maioria deles são homens, as jovens cristãs acabam por casar com muçulmanos e depois têm de se converter – é a lei. Muitas vezes, deixam para trás idosos que precisam de cuidados”, explica o Arcebispo.

A importância da solidariedade

Para enfrentar tudo isto é necessária muita solidariedade. Como bispo, D. Jacques Mourad compreende que não é possível fazer-se tudo por todas as pessoas em todos os lugares. Faltam meios, faltam recursos. “Temos uma grande responsabilidade. No entanto, não podemos ajudar em todos os lugares. Nestes poucos meses como bispo, tenho notado quão frágeis e impotentes somos como Igreja e como bispos. Concordo com o Papa, de que precisamos da ajuda dos leigos”, diz o prelado. A sua longa experiência no contacto directo com as populações, com as famílias, o conhecimento que tem dos dramas dos Sírios, que enfrentam todos os dias o desafio da própria sobrevivência, empresta importância às suas palavras. “Não devemos apenas distribuir comida, mas também dar vida a vários projectos – escolas, música e arte, por exemplo – para que as pessoas sintam que têm o direito à vida. Esse tipo de ajuda pode ter o efeito de fazer as pessoas pararem de pensar em emigrar”, explica o Arcebispo. Sobre a ajuda que a Fundação AIS está a promover na Síria – que agradece muito e que agora ficou bem vincada na Campanha de Natal –, D. Jacques Mourad destaca vários projectos, nomeadamente o que envolve o auxílio à própria sobrevivência dos sacerdotes na Arquidiocese de Homs “com estipêndios de Missa, a sua única fonte de rendimento”, e ainda o “papel essencial na cura dos traumas da guerra e dos problemas psicológicos decorrentes da instabilidade e da pobreza que assolam o país”. Para muitos, o Arcebispo de Homs continua a ser apenas o Padre Jacques Mourad, o monge que em 2015 foi raptado e mantido em cativeiro durante vários meses por jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico. Ele é, mais do que tudo, um símbolo da urgência da paz na Síria. Uma paz que só acontecerá de verdade quando houver também uma verdadeira reconciliação. E, para isso, é tão importante saber perdoar…

Paulo Aido