Da história da música para a liturgia: Palestrina – Exaltabo te

Foto: João Lopes Cardoso

Padre Bruno Ferreira*

 

Latim:

 

Exaltabo te Domine,

quoniam suscepisti me

nec delectasti

inimicos meos super me.

Domine clamavi ad te

et sanasti me.

 

[Salmo 29, 2-23]

 

 

Tradução portuguesa:

 

Exaltar-Te-ei, Senhor,

porque me livraste

e sobre mim

não deixaste que os inimigos exultassem.

Senhor, a Ti clamei

e tu me curaste.

 

[Salmo 29, 2-23]

 

Este Ofertório, retirado dos “Offertoria totius anni”, ano 1593, nº 41, (SATTB) (https://www.youtube.com/watch?v=OTmXwSItk5k) baseia-se num texto do Salmo 29.

Há muitas pistas narrativas e visuais oferecidas pelo texto, bem como situações emocionais; como é habitual, Palestrina é bastante reservado na captação desta variedade de pistas, evitando uma adesão demasiado imediata ao significado de palavras individuais (algo que os compositores de música secular da sua época na esfera do madrigal gostavam muito de fazer) e dá uma caraterização afectiva demasiado forte. No entanto, no geral, na extrema fluidez do discurso musical palestriniano e na geral impressão de serenidade e doçura que o caracteriza, há alguns pormenores que merecem ser assinalados.

As cinco vozes entram desfasadas, e todas começam com um grande salto de quinta seguido de uma escala, que cobre assim o espaço de uma oitava ascendente: trata-se de um gesto musical muito significativo, que “abre” a melodia, por assim dizer, e que corresponde bem ao texto inicial, “Exaltabo“, “Eu te exaltarei”. As duas frases sucessivas (“quoniam suscepisti me” e “nec delectasti“) começam, por outro lado, com um motivo de notas repetidas, com uma forte pungência rítmica e um intenso valor declamatório: depois de ter cantado, por assim dizer, com a “garganta para fora” os louvores de Deus, o crente vai explicar porque o faz, e, para que a sua mensagem seja melhor transmitida, canta num estilo quase falado, permitindo que todos compreendam a sua mensagem.

Do ponto de vista emocional, o clímax da peça é atingido na palavra “clamavi“, em que o discurso musical se torna mais denso, conciso e tenso, também do ponto de vista das relações entre as várias vozes. Esta tensão dissolve-se na palavra “et sanasti” (“tu me curaste”), cantada por todas as vozes em escalas descendentes: o relaxamento da música corresponde à ação curativa de Deus, que liberta do mal físico e interior.

Saboreemos esta belíssima peça!

*Aluno de Composição no Pontifício Instituto de Musica Sacra (PIMS), em Roma