Por Secretariado Diocesano da Liturgia
O livro litúrgico “Celebração das Bênçãos” foi publicado em português em finais de 1991, datando de 1984 a primeira edição típica latina. Reconheçamos com realismo: apesar do seu interesse pastoral e da procura persistente de muitos fiéis – na maior parte dos casos por motivos devocionais – não é dos livros litúrgicos mais utilizados. Nem todos os párocos o terão à mão, despachando sem demora o grosso volume para o “limbo” de uma prateleira ou gaveta menos frequentada. Terão lido, ao menos, os preciosos “Preliminares Gerais” com que abre o volume? É caso para duvidar, uma vez que continuam a aviar os pedidos de bênção dos fregueses ou com uma recusa pretensamente “iluminada” ou com uma cruz mais ou menos muda…
Isto aconteceu por várias razões. Lembremos que a crise da secularização desacreditou as bênçãos como velharias seriamente suspeitas de superstição, resíduo de uma visão “pré-científica” do homem nas suas relações com os outros homens e com o mundo, relíquias a superar de um estádio infantil da religiosidade. E perante esta crítica da “modernidade”, os responsáveis pastorais acharam-se “desarmados”… Aliás, este volume do Ritual, tão carecido de revisão, foi dos últimos a ter ultimada a sua reforma. E, entretanto, a celebração das bênçãos” degradara-se para confins quase marginais e clandestinos da prática pastoral, retirando-se-lhe a visibilidade litúrgica e eclesial. Dá a impressão que a recentíssima declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé ainda navega nessas águas…
Eis um exemplo claro de como a reforma litúrgica não se pode reduzir à publicação do novos livros litúrgicos. De facto, a renovação litúrgica pressupõe muito mais, nomeadamente requer uma radical mudança de mentalidade, tanto em quem pede a bênção como em quem “abençoa” e “bendiz”. E a mentalidade não muda por decreto.
Hoje, quase volvido um quartel do século XXI, inesperadamente o tema das bênçãos volta à ribalta. Talvez não tanto pela sua valia intrínseca. Talvez a reboque de outras agendas mais mediáticas. Mas fala-se de novo no assunto. Ainda bem!
Os “apóstolos” e “profetas” da secularização, com o desprezo a que votaram as práticas religiosas que não se harmonizavam com o seu projeto de Homem, dono absoluto de um mundo totalmente domesticado, estão desacreditados. A humanidade experimenta que essa pretendida emancipação está na origem de muitas novas ameaças que fazem perigar a sua existência ou a privam de sentido e redescobre-se carecida de uma verdadeira e mais profunda redenção e libertação que só pode vir de Deus. Mesmo que, em simultâneo, as instituições e instâncias mediadoras dessa transcendência passem por sérias crises de credibilidade.
A Igreja não pode desertar deste terreno, deixando de cultivar – mediante a Palavra e o Rito – o sentimento religioso dos seus fiéis, abandonando-o à sedução das seitas e dos novos movimentos religiosos ou, pior ainda, à exploração sem escrúpulos outros benzedores.
Uma coisa é certa: as seitas e os novos movimentos religiosos têm estado mais atentos do que nós a esta situação de carência dos homens e mulheres do nosso tempo e fazem da “bênção” um dos principais argumentos do seu sucesso. Podemos, certamente, apontar-lhes limites, desvios e abusos, como a confrangedora carência de doutrina e uma exploração do emocional menos respeitosa da dignidade e liberdade das pessoas. Mas não podemos continuar paralisados e sem propostas pastorais sérias, realistas e credíveis.
Para tal, importa redescobrir a teologia e a espiritualidade da Bênção a partir das fontes da Revelação e da reflexão teológica e litúrgica. E precisamos de assumir ou retomar uma séria pastoral das bênçãos. Porque não se trata de um assunto secundário ou marginal. Pelo contrário: está bem perto do coração da Liturgia que, toda ela, mais não é do que uma imensa bênção divina (Catecismo da Igreja Católica 1077-1083). De facto, é a partir da noção de «Bênção» que o Catecismo da Igreja Católica explica os dinamismos essenciais de toda a Liturgia.