Glória a Deus e Paz aos Homens

Por João Alves Dias

Este anúncio natalício do ‘Príncipe da Paz’ fez-me recordar o périplo que fizemos, no verão passado, por terras da Suíça.

Em Zurique, no ‘Museu Nacional’, fiquei surpreendido ao ver gravada no edifício – um antigo mosteiro beneditino – a oração: ‘Domine, conserva nos in pace’.

E interroguei-me: intencionalidade ou feliz coincidência num museu que celebra a história dum país que privilegia a paz?

Já no regresso, ao sobrevoar o lago Léman, em cujas margens, no Instituto Ecuménico de Bossey, se encontravam 52 jovens – judeus, cristãos e muçulmanos – em busca de caminhos de paz, questionei-me:  Que paz? O que nos diz a Bíblia?

Para responder, socorri-me do Vocabulário de Teologia Bíblica, do conceituado biblista X. Léon-Dufour.

Em síntese:

. A Paz – Felicidade perfeita.

A paz bíblica designa o bem-estar da existência quotidiana, o estado do homem que vive em harmonia com a natureza, consigo mesmo, com os outros e com Deus.

. A Paz – Dom de Deus

O Deus bíblico é o Deus da paz (Salmo 35, 27)

O dom divino obtém-se pela oração confiante e também pela prática da justiça.

A verdadeira paz liberta-se das suas limitações terrenas e converte-se num elemento essencial da pregação escatológica (Sl 72,7 e Sab 3, 1)

A Paz em Cristo

A justiça frutifica na paz, é a mensagem do Novo Testamento.

S. Lucas traça o retrato do rei pacífico. O seu nascimento é anunciado pelos anjos: ‘Glória a Deus nas alturas e paz na terra entre os homens de boa vontade’ (2,14)

Vai em paz’, com estas palavras, Jesus perdoa a pecadora arrependida (7,50) ‘Paz a esta casa’ (10,5), deve ser a saudação dos discípulos.

S. João revela-nos que, nos momentos de tristeza, Jesus consola-nos: ‘Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz’ (14,27).

S. Paulo, na saudação das suas cartas, une a graça e a paz: “graça a vós e paz da parte de Deus, nosso pai e da parte do Senhor Jesus Cristo (I Cor 1,3)

A paz é a vida eterna antecipada na terra (cf. Rom 8.6)

Visão salvífica da paz. Jesus veio para estabelecer, na terra, a concórdia e a paz.

Compete-nos, a nós seus discípulos, realizar a bem-aventurança: ‘Felizes os que fazem a paz, porque eles serão chamados filhos de Deus’ (Mt 5,9).

Procurar a paz e construí-la à nossa volta é viver como Deus, é ser ‘filhos de Deus’ no Seu Filho único, Jesus.

Só a justiça diante de Deus e entre os homens é o fundamento da paz. Mas não é a justiça do ‘olho por olho; dente por dente’ do Antigo Testamento – o que já era um progresso porque estabelecia a proporcionalidade na resposta, quando a nossa tendência é vingativa: ‘fizeste-me mal, eu faço-te pior; partiste-me um dente, eu parto-te a cara’.

Jesus disse: “Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás (…) Mas Eu digo-vos: todo aquele que se irar contra seu irmão será réu no juízo (…) Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito. (Mt, 5,21- 48)

A justiça de Jesus passa pelo “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34) Sem perdão, não há paz. Daí, a guerra entre o Hamas e Israel

Não é por acaso que as ‘Obras de Misericórdia Espirituais’ nos ensinam a “perdoar as injúrias e a sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo”.

E, no ‘Pai Nosso’, pedimos: ”Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.

Não será também para nós o lamento de Jesus?  – “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” (Mt 15-8)

A teologia, porque caminha nas fímbrias do mistério indizível de Deus que se fez Palavra em Jesus, deve ser ‘feita de joelhos’. Por isso, rezo o salmo 85,9:

“Quero escutar o que Deus diz;

Pois o SENHOR fala de paz.”

Neste início de ano, formulo um voto:

Que o Povo de Israel e seus líderes O ouçam … E que, pelo menos, respeitem o princípio da proporcionalidade -‘olho por olho, dente por dente’ – que está na base da cultura semita que partilham com os Árabes. Sem vinganças nem radicalismos…

E lembro a palavra de D. Tolentino: “A paz não é uma realidade prévia e espontânea, um puro e garantido dado de facto, mas uma deliberada construção humana, uma escolha histórica e ética, um processo coletivo que requer a força de manter respeitadas e unidas as diferenças” (7MARGENS, 19/12/2023)