Por Manuel António Ribeiro
Os evangelhos da infância fazem-nos várias revelações surpreendentes. Falam-nos das situações de dureza e de desumanidade que rodearam o nascimento de Cristo, mas também nos contam como uma jovenzinha ficou emocionada com as maravilhas de Deus a acontecer na pobreza da sua condição, depois de acreditar que «a Deus nada é impossível». Explicam como um noivo desconfiado descobriu exaltantes razões para vencer a sua humilhação. Dizem-nos que os primeiros a adorar o menino Deus foram pastores que não frequentavam o Templo. Relatam a história de sábios que, sem pertencerem ao Povo eleito, foram dos primeiros a adorar o rei dos judeus.
Retenhamos esta outra revelação surpreendente: O sinal divino que os anjos deram aos pastores foi que eles iriam encontrar a grandeza infinita de Deus na fragilidade de um recém-nascido deitado numa manjedoira. O sinal que nos é dado neste Natal é também o de um Deus que se faz próximo nos acontecimentos aparentemente insignificantes e nas realidades mais insuspeitáveis.
As festas natalícias não poderão traduzir-se numa fuga ingénua do nosso mundo esfacelado por duros sofrimentos, num tempo em que a Esperança é posta à prova no crisol de tantas tribulações. Pode até acontecer que tenhamos de celebrar o Natal num momento em que as nossas próprias vidas estejam a passar por experiências dolorosas, que misturam os nossos dias com lágrimas.
Acreditamos que o Verbo feito carne veio acender no mundo um clarão inextinguível de futuro, ao inclinar-se sobre as suas feridas. O grande teólogo Karl Rahner lembrou-nos que no Natal «Deus disse ao mundo a sua mais profunda e bela palavra numa Palavra que significa: amo-te a ti, mundo, e a vós, seres humanos». O acolhimento dessa Palavra ajudará a iluminar o abismo escuro da humanidade de hoje. Precisamos desta revelação, talvez tenuemente intuída, talvez ainda muita obscurecida em nós: O Espírito continua a segredar-nos que a nossa identidade mais profunda é infinitamente preciosa aos olhos de Deus.
Enternecidos com a bela surpresa da misteriosa ressonância divina no mais íntimo de nós mesmos, cantemos o Natal como o harmonioso duo que junta a humanidade e Deus. Que as nossas verdadeiras iluminações de Natal sejam as que acendem bem dentro do nosso coração um sublime fulgor divino a brilhar na nossa fragilidade humana.