Por M. Correia Fernandes
1 Marçal Grilo, um ministro da Educação que importa lembrar
Em tempos em que a Educação é objeto de controvérsia, com os conflitos laborais dos professores e agentes educativos com a administração laboral, quase se esquece na comunicação social a presença ou a referência ao essencial: o valor da Educação na estrutura mental da sociedade. Ora a educação tem vindo a ser objeto de um tratamento que a desvaloriza, como desvaloriza as pretensões laborais, mas sobretudo a sua função social. O resultado deste desvalor dado à Educação não tem efeito imediato na recuperação económica, nem nos efeitos imediatos sobre os indicadores de desenvolvimento. Os seus males apenas se sentirão no correr dos anos e no andar dos tempos.
Quando daqui a alguns anos futuros se analisarem os efeitos da deterioração de Educação nos dias que correm é que se verá que a diminuição da qualidade da formação e das exigências em ordem à nova sociedade produziu atrasos de conhecimento e atrasos civilizacionais.
Em tempos, quando os ministros da Educação se recrutaram entre gente que dispunha de prestígio intelectual e académico, um desses ministros foi Eduardo Marçal Grilo, ministro entre 1995 e 1999, cuja proposta essencial foi a realização de um “Pacto Educativo para o futuro”.
Encontro agora numa entrevista ao Jornal de Notícias (26 de novembro deste ano) o retomar dessa sua proposta, lançada com rasgo, mas insuficientemente conseguida nas reviravoltas da política, acrescentado a necessidade de outros pactos (na saúde, na revisão constitucional, na reforma fiscal e da justiça, propondo políticas estáveis), que também eles serão educativos.
Desde o final do seu consulado, houve outros ministros da Educação igualmente respeitáveis, alguns com anos largos de ação, mas que não conseguiram encontrar os caminhos desse ”pacto educativo”, bem necessário para os nossos dias e para os dias futuros, e ninguém conseguiu tornar a educação como um verdadeiro projeto nacional. Podemos lembrar, entre os de mais longo consulado, Maria de Lurdes Rodrigues (de 2005 a 2009), Nuno Crato (de 2011 a 2015) em tempos difíceis, ou Tiago Brandão Rodrigues (de 2015 a 2022), para além do atual João Costa. Importa lembrar que o consulado de Maria de Lurdes Rodrigues se tornou numa transformação que passou a valorizar as tarefas burocráticas e organizativas, menorizando as tarefas do saber científico ou humanístico. O efeito dessa política educativa ainda não foi superado, quer na formação dos alunos quer na formação dos docentes. Perdeu-se o sentido do “pacto educativo” em função do excesso de trabalho organizativo desvalorizador dos conteúdos do saber e do conhecimento.
Entendemos que, mais que qualquer outro sector da sociedade, o sector da Educação necessita de um pacto alargado de valorização social, cuja discussão não é muito apelativa para o sector noticioso (como a questão das urgências ou do aeroporto, ou da alta velocidade), mas do qual depende o valor social e humano do futuro.
2. O sentido de uma palestra: a arte poética dos Evangelhos
Estava anunciada para o dia 12 de dezembro uma palestra, num ciclo de “literatura e Religião”, na Universidade de Coimbra, através da sua Faculdade de Letras, com o título “Para uma «Arte poética» dos Evangelhos do Novo Testamento”, a ser proferida por Frederico Lourenço, na capela de São Miguel daquela Universidade, palestra integrado no ciclo “literatura e Religião”.
A primeira referência oriente-se para a capela de S. Miguel, integrada na Universidade de Coimbra, pertencente ao conjunto arquitetónico da Universidade. É uma pequena capela, construída no séc. XVI a partir de um oratório medieval. Está classificada como monumento nacional e integrada nos monumentos do Património Mundial da UNESCO. Daí que o seu valor artístico se possa associar ao valor temático e estético da conferência anunciada ou de outros encontros académicos da maior nobreza.
A segunda observação resulta do título e do tema anunciado: a constatação da “arte poética” dos textos bíblicos dos evangelhos. Ao ouvirmos as proclamações dos textos evangélicos de cada domingo temos a possibilidade de nos apercebermos dos seus valores poéticos, através particularmente do universo das imagens, das parábolas, dos dizeres tradicionais da linguagem e de muitas formas poéticas herdadas da tradição bíblica. Há que saudar a capacidade do professor e tradutor Frederico Lourenço discernir e divulgar esta dimensão: a poesia também é espiritualidade, e sempre a espiritualidade foi construtora da poesia: quantos místicos cristãos figuram no universo dos autores de todas as literaturas do mundo!
A terceira observação seja para o trabalho realizado pelo professor Frederico Lourenço no campo do conhecimento das literaturas clássicas, tanto no domínio da tradução como da crítica. Tendo divulgado obras mestras da Humanidade, como a Odisseia de Homero ou as tragédias dos dramaturgos Sófocles e Eurípedes, a partir dos textos originais, ou da poesia completa de Horácio, lançou mão da tradução da Bíblia também a partir dos originais em língua grega. Estas traduções, buscando a proximidade do sentido original de cada texto, ajudam a uma maior compreensão da mensagem bíblica.
Esta divulgação do sentido e do valor da “arte poética” nos textos bíblicos deve constituir um apelo à descoberta dos valores estéticos que podemos encontrar na linguagem litúrgica, e apelo também à atenção e descoberta dimensão da construção poética como o caminho da edificação evangélica e salvífica.