A antiguidade da Sabedoria e o seu assento nas palavras e na ação

Por M. Correia Fernandes

Podemos sentir-nos interpelados por muitas palavras do livro da Sabedoria, talvez o mais recente dos livros bíblicos. Embora se funde na tradicional e lendária sabedoria de Salomão, através da consciência histórica da tradição judaica, o autor procura reforçar a fé e ativar a esperança através do património religioso e histórico da tradição judaica. A insistência no sentido da sabedoria, que conduz a uma visão da justiça que se torna caminho de felicidade, poderá revelar o seu relacionamento com a cultura helénica, mas a visão do autor não se detém apenas no conhecimento baseado no domínio do pensamento ou do conhecimento humano, mas numa visão da sabedoria que vem de Deus, segundo a história do seu povo e da revelação de que foi depositário.

O que mais admira no livro bíblico, em que a Sabedoria surge como que personificada e valorizada através da escrita habitual em maiúscula, é a proximidade que dela se deduz em relação aos mais justos princípios da sabedoria secular do pensamento da nossa tradição cultural ocidental, e de alguma forma também a preparação mais próxima para a novidades de doutrina de Jesus Cristo.

O recurso a definições de Sabedoria trazem-nos um universo de propostas de entendimento, podendo designar toda a forma superior de conhecimento, a influência na vida e no comportamento humano, a busca do conhecimento do absoluto do próprio Deus.

Recorrendo à proposta bíblica, deparamos com uma amplitude de visão vislumbrando o constitutivo mais íntimo de toda a Sabedoria, a que  chama “criadora de todas as coisas” e que tudo ensina, onde podemos discernir toda a condição humana, porque “há nela um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, subtil, móvel, penetrante, puro, claro, inofensivo, inclinado ao bem, agudo, livre, benéfico, benévolo, estável, seguro, livre de inquietação, que pode tudo, que cuida de tudo, que penetra em todos os espíritos, os inteligentes, os puros, os mais subtis: Mais ágil que todo o movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza”.

A continuação da definição das características essenciais da Sabedoria levam o autor a afirmar a sua origem teológica: “Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Todo-poderoso; assim, mancha nenhuma pode insinuar-se nela; ela é uma efusão da luz eterna, um espelho sem mancha da atividade de Deus, e uma imagem de sua bondade; imutável em si mesma, renova todas as coisas… Ela se derrama de geração em geração nas almas santas e forma os amigos e os intérpretes de Deus, porque Deus somente ama quem vive com a sabedoria”.

O aspecto ético e moral da ação da Sabedoria leva o autor a definir que contra ela o mal não prevalece, dando-lhe essa dimensão comportamental da sua identidade: a fuga do mal.

Todo este universo mental e teológico apontando para a busca do essencial da condição humana constitui um plano de ação para todo o pensamento e para toda a atividade política, que deveria envolver todo o sentido da linguagem comunicacional. No entanto não se ouve muito falar desta dimensão. Todos aceitam a sabedoria, mas poucos se deixam imbuir do seu espírito.

Tudo isto nos poderá levar à conclusão da importância de ser facultado aos oradores políticos, agora que se avizinha o espaço privilegiado de muitas palavras nos discursos da campanha eleitoral, o conhecimento e a prática da sabedoria nas múltiplas palavras que irão ser profusamente difundidas e no espírito da sua linguagem: o culto íntimo e promissor da Sabedoria.

Também nas realidades imanentes no fundo da nossa consciência e na inspiração de todo o comportamento humano deveria ganhar raiz esta dimensão da sabedoria.

Significativo é que o livro bíblico da Sabedoria propõe a associação dela ao conceito profético da Justiça: “Conhecer-te é a justiça perfeita, e reconhecer teu poder é a raiz da imortalidade” (Sab. 15,3).

Esta associação mental da Sabedoria à justiça possui uma dimensão antropológica, que a estende a toda a condição humana. Por isso a nossa sugestão de ser assumida como leitura orientadora na ação política e na sua linguagem, onde a inspiração da sabedoria deveria conduzir ao equilíbrio social, à solução dos dramas humanos e à realização de cada pessoa.

Possuir sabedoria não significa apenas o domínio do conhecimento, mas saber aplicar o conhecimento e a linguagem em ordem à busca das decisões certas. O sábio não só observa os dados, mas busca e orienta os caminhos da escolha do que é correto e justo.

E a maior de todas as sabedorias é o temor de Deus, que constitui também o serviço do Homem.

Fica pois uma sugestão aos produtores de linguagem política que se façam acompanhar do livro da Sabedoria.