A História e os caminhos de salvação: uma proposta bíblica

Por M. Correia Fernandes

Joaquim Domingos Areais, sacerdote da diocese do Porto recentemente nomeado pároco de Ermesinde (uma das maiores paróquias da diocese), e que recentemente apresentara, a partir da sua tese de doutoramento, a obra A Páscoa de Jesus, partenogénese da nova humanidade (2021), além de estudos sobre o mistério ordenado nas Cartas a Timóteo e Tito, acaba de apresentar, em contraste com a densidade teológica da sua tese, um estudo de carácter bíblico, abordando as dimensões da História da salvação, A História de Deus com os Homens e dos Homens com Deus; Introdução à História da Salvação (ed. Paulinas, 2023), que foi apresentada no salão da Junta de Freguesia de Ermesinde, na noite de 5 de novembro. O próprio inciso do título deste trabalho, Introdução à História da Salvação, manifesta a intencionalidade da sua proposta: constituir uma aproximação ao conhecimento e compreensão dos acontecimentos e dimensões salvíficas da História Bíblica, na qual apresenta as duas dimensões confluentes: palavra de Deus para os Homens que com a intenção de conduzir aos caminhos dos homens com Deus.

A apresentação da obra foi realizada em dois pontos de observação: a dimensão bíblica e teológica, pelo P. Ricardo Aguiar Ribeiro, especialista em Sagrada Escritura e atual Vice-Reitor do Seminário do Bom Pastor; e a dimensão das ciências humanas (particularmente a sociologia e a economia), por Elisabete Ramos, economista e professora da Universidade do Minho, colaboradora na formação catequética e litúrgica, que também imprimiu uma dimensão teológica ao sentido da economia e das ciências humanas, envolvidas no sentido e vivência da Fé. Raquel Azevedo Freitas, Doutora em Psicologia e Presidente da Junta de S. Pedro Fins, autora do Prefácio desta livro, e enquadrou os diversos momentos no apelo às dimensões humanas das vivências da fé. Estiveram presentes o presidente da Junta de Ermesinde, Miguel Oliveira, D. Joaquim Dionísio, bispo auxiliar, e Samuel Guedes, ecónomo diocesano, e muitos membros das comunidades de Ermesinde e Maia. Um grupo juvenil apresentou composições, em torno da sonoridade da flauta e em que sobressaiu o valor humano e o sentido da colaboração.

 Algumas dinâmicas da obra

Para apreciarmos o valor e a importância humana e teológica desta obra, não extensa (135 páginas), mas muito englobante tematicamente, podemos recorrer às palavras do prefácio: “este livro é, simultaneamente, uma oportunidade e uma provocação: uma oportunidade porque prepara o leitor, aproximando, organizando e orientado, criando uma base de compreensão e conhecimento global deste complexo processo, que deverá anteceder a leitura da Bíblia; e uma provocação porque encoraja e desperta, criando um perfeito desassossego, instigando a que se navegue na leitura da obra literária mais complexa da Humanidade”.

Esta visão global surge depois do percurso que a autora resumidamente faz do seu conteúdo e do seu autor.

É esta bordagem do conteúdo do livro que queremos aqui apesentar, ressaltando a oportunidade da sua publicação como aproximação à História da salvação e o estímulo que pretende ser à leitura da Bíblia, que o Papa Francisco  afirma que deve ser leitura de todos os dias.

A obra está dividida, como é natural e indispensável em duas partes: o Antigo e o Novo Testamento. Falta-nos muitas vezes para compreender as mensagens o conhecimento dos espaços e dos tempos, isto é da geografia e da história, justamente a inicial informação que conduz à compreensão.

A análise da origem da história da salvação, através dos relatos factuais que traduzem literariamente a expressão do desígnio salvífico de Deus e das formas como conduzem à mensagem teológica constituem o segundo capítulo. A este faz seguir o estudo da figura de Abraão, a sua vocação e a descoberta do Deus único, Aquele que tem por nome Eu Sou. Outra figura essencial da revelação é Moisés, com a condução da grande caminhada do êxodo a revelação de Deus e da Aliança, e a edificação da consciência de Povo de Deus, até à instalação do povo na Palestina, em que foi determinante o papel dos Juízes até à instauração da monarquia, em que sobressai evidentemente a figura de David e a de Salomão. Veio depois a divisão dos Reinos que conduziu à destruição da Jerusalém, no início do séc. VI a.C e ao tempo do exílio na Mesopotâmia seguida pela transformação posterior pela ação da Pérsia, e mais tarde pelos impérios grego e romano. Sobressai a figura de Ciro imperador da Pérsia que surge como “um pagão ao serviço de Javé”. Uma ação essencial é a realizada pelos profetas, cuja origem e missão é analisada na sua dimensão histórica e salvífica.

O Novo Testamento constitui o centro essencial de todo o espírito cristão. Para os hebreus continua o Antigo Testamento, mas para os cristãos esta é uma nova dimensão que se inaugura, a da revelação do Messias.

É também essencial conhecer o universo humano, político e social, bem como a estrutura social em que a palavra de Jesus foi proclamada, no contexto das estruturas religiosas do povo judaico, as festas aglutinadoras, como a Páscoa e o Pentecostes, o sentido do sábado e as formas da sua vivência e suas práticas. Analisam-se também os grupos religiosos em que se insere o tempo de Jesus.

Um capítulo especialmente significativo, por pouco conhecido, é a cronologia da vida de Cristo, desde o nascimento, o ministério público e a condenação e morte.

A título de curiosidade registem-se as seguintes propostas de datas, sugeridas “com alguma probabilidade” pelo autor:

“- 4 a 6 antes de Cristo: nascimento de Jesus;

– 28 depois de Cristo (antes da Páscoa); início do ministério público;

– 7 de abril de 30 d. C.: crucifixão;

– 9 de abril de  30 d. C.: Domingo de Páscoa”.

Capítulo também central e decisivo é o da difusão da mensagem cristã, que parte da comunidade de Jerusalém, irradiando pela dinâmica apostólica da expansão das comunidades, a acentua-se o papel das três viagens apostólicas de S. Paulo, incluindo a sua chegada a Roma no ano 60.

Um dado invulgar neste livro, em contraste com outros livros deste género bíblico, é o extraordinário cuidado que o autor colocou na divulgação da Bibliografia que fundamenta os dados históricos e as reflexões teológicas: no final de cada uma das partes se encontra uma bibliografia. Para o Antigo Testamento encontramos 5 páginas de Bibliografia; para o Novo Testamento  deparamo-nos com 10 páginas de Bibliografia. Um dado significativo é que se encontram títulos nas línguas europeias (inglês, francês, italiano, alemão, com saliência para o inglês), mas que igualmente se encontram títulos em japonês, língua que o autor também conhece, porque ali teve formação.

Outro elemento significativo da obra é a presença de mapas, cuja função se torna essencial para a compreensão dos espaços, da existência dos diversos itinerários, os povos e suas regiões (como avinda de Abraão da Caldeia até à Palestina, ou o percurso do povo Hebreu desde o Egito até ao Monte Nebo (na Jordânia), donde avistaram a terra de Canaã.

Os traçados dos espaços das três viagens paulinas deveriam constituir para os que escutam na liturgia  a leitura das suas cartas um conhecimento indispensável, para se identificarem nomes como a Cilícia, a Galácia, a Bitínia, a Panfília, ou a Macedónia e a Acaia.

Se o leitor destas linhas concluir que foram escritas para que leiam o livro, estão verdadeiramente certos. Ficará apenas livre o acto de o ler.