A confiança para caminharmos juntos para Deus

No passado dia 15 de outubro, o Papa Francisco publicou a sua sétima exortação apostólica, que intitulou “C’est la confiance”, acrescentando tratar-se de um texto “sobre a confiança no amor misericordioso de Deus”, por ocasião do 150º aniversário do nascimento de Sta. Teresa do Menino Jesus e da Santa Face.

Os 53 parágrafos que a formam e que fácil e agradavelmente se leem, ajudam-nos a uma aproximação daquela que a Igreja canonizou (1925), declarou Padroeira das Missões (1927) e Doutora (1997) e a quem o Papa Francisco reconhece singular genialidade espiritual e teológica, conferindo-lhe grande atualidade no caminho da confiança e do amor que somos convidados a percorrer.

A alma inflamada de amor não pode permanecer inativa

O ponto de partida é uma citação de Sta. Teresa: “Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor”. Uma afirmação que, segundo o Papa, já justificaria o título de “doutora da Igreja” (2) e que nos ajuda a perceber todo o alcance do texto: “Só a confiança e ‘nada mais’… Não há outra via que devamos percorrer para ser conduzidos ao Amor que tudo dá. Com a confiança, a fonte da graça transborda na nossa vida, o Evangelho faz-se carne em nós e transforma-nos em canais de misericórdia para os irmãos. É a confiança que nos sustenta cada dia e nos manterá de pé diante do olhar do Senhor, quando Ele nos chamar para junto de Si” (2 e 3).

Teresa não concebia a sua consagração a Deus sem procurar o bem dos seus irmãos e irmãs. Ela partilhou o amor misericordioso do Pai pelo filho pecador e o do Bom Pastor pela ovelha perdida, afastada, ferida. Por isso ela é padroeira das missões e referência na evangelização. E ensina-nos, quando nos diz: “Uma alma inflamada de amor não pode permanecer inativa”.

Francisco sublinha que o “pequeno caminho” de Teresa é um antídoto “contra uma ideia pelagiana de santidade, individualista e elitista, mais ascética que mística, que coloca o acento principalmente no esforço humano” (17). Ao contrário, Sta. Teresa sublinha sempre o primado da graça (19). Convidando-nos ao essencial, a sua confiança encoraja os que se sentem frágeis, limitados e pecadores a deixarem-se conduzir e transformar para atingirem o cume.

A humildade de Teresa é testemunho de alguém que evita a autorreferencialidade e o seu “pequeno caminho” continua a iluminar o caminho da Igreja, indicando a “beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado” (47): o essencial para o qual dirigir o nosso olhar e o nosso coração.

A propósito desta exortação, duas breves notas.

A confiança como experiência e desafio

Neste tempo que nos é dado viver, onde também a fé cristã é desafiada na sua credibilidade e a instituição eclesial objeto de desconfiança, o exemplo de Sta. Teresa é um estímulo para a confiança que somos convidados a protagonizar e a fomentar. Porque todos os dias somos confrontados com os limites e as fragilidades da nossa condição humana, com o que acontece à nossa volta e com a aparente ausência de Deus.

Mas a confiança em si próprio e nos dons recebidos, sem excessos que rocem a vaidade, permite não desistir e enfrentar os desafios, proporciona proximidade e diálogo, fomenta a colaboração e a entreajuda. E, muito mais importante, a confiança num Deus que é Amor permite acolher a vida como um dom e descobrirmo-nos amados e perdoados. Ao contrário, a ausência da confiança impede o testemunho, inviabiliza a comunidade, dificulta o compromisso e afasta de Deus.

Sinodalidade exige confiança e humildade

A confiança, condição de fidelidade (Heb 3, 14), concede aos cristãos uma alegre segurança, porque nada os separará do amor de Deus (Rom 8, 38s). O discípulo confiante torna-se, com efeito, uma testemunha fiel que caminha com outros, que professa a fé e não esconde a sua pertença eclesial. Porque a confiança o torna livre e audaz, ajuda-o a aceitar as diferenças, a perseverar diante dos obstáculos, a resistir às críticas e às dúvidas e a não desistir dos sonhos.

Percebemos, também, que a confiança e a humildade são inseparáveis. Nesta caminhada, marcada por diferentes ritmos e sujeita a avanços e recuos, o primeiro passo consiste em assumir os próprios limites. A imperfeição e a fragilidade fazem-nos companhia. E é neste contexto de imperfeição, de seres frágeis, limitados e, às vezes, rebeldes que Deus oferece a sua santidade como caminho de felicidade. E ninguém fica excluído deste chamamento (LG 39). Aliás, a recusa a este convite só poderia vir daqueles que o julgam supérfluo (já se consideram sem mácula) ou dos que desesperam dos seus limites (duvidam do perdão divino). Se no primeiro caso a imodéstia alimenta uma ilusória autossuficiência, no segundo há uma deficiente compreensão de Deus que exclui a misericórdia divina.

Citando o Papa Francisco, também nós invocamos a intercessão de Sta. Teresa:

“Ajudai-nos a ter sempre confiança,

Como fizestes vós,

No grande amor que Deus tem por nós,

Para podermos imitar cada dia

O vosso caminhito de santidade. Amen” (53).

 

(D. Joaquim Dionísio)