A Liturgia no Sínodo dos Bispos (2)

Foto: Ricardo Perna

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Na pagina Internet do Sínodo já é possível encontrar uma versão portuguesa do Relatório de síntese dos trabalhos da Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (https://www.synod.va/en/synodal-process/the-universal-phase/documents.html), se bem que o texto oficial seja em italiano. Embora o «assunto» tratado neste «processo» – já não se trata apenas de um «evento» – seja a sinodalidade na vida da Igreja e das Igrejas no seu significado e implicações, o «caderno de encargos» assumido no Instrumentum laboris era de tal amplitude que o «assunto liturgia» que nos ocupa e preocupa neste espaço não podia estar ausente.

Isso mesmo se depreende da leitura deste relatório que ainda não é um documento final mas tão só um subsídio interlocutório ao serviço desta etapa intercalar de discernimento que se prolongará, pelo menos, até à segunda sessão da XVI Assembleia Geral que terá lugar no Vaticano, em outubro de 2024. Bem a propósito, sublinha-se, logo a abrir: «o próprio modo como se desenrolou a Assembleia, desde logo com a disposição das pessoas sentadas em pequenos grupos à volta de mesas redondas na Aula Paulo VI, comprável à imagem bíblica do banquete nupcial (Ap 19, 9), é representação de uma Igreja sinodal e imagem da Eucaristia, fonte e cume da sinodalidade, com a Palavra de Deus no centro» (I, 1c).

O Sínodo valorizou, como não podia deixar de ser, o momento culminante da vida da Igreja que é sempre a celebração dominical da Eucaristia, vértice e fonte da comunhão e, portanto da sinodalidade. É o exercício prático de uma Igreja em que a pluralidade de ministérios – de raiz batismal ou derivados do Sacramento da Ordem – está ao serviço da participação de todos, recolhidos na escuta da Palavra, unidos na oração para depois serem intrépidos na missão. É na Igreja em oração que floresce o Espírito.

O relatório assume que nem sempre é possível a celebração eucarística no dia do Senhor e, nessas situações, preconiza que a comunidade se recolha à volta da celebração da Palavra, sempre no desejo da Eucaristia. Este é um problema que será necessário enfrentar com lucidez e determinação e, oportunamente, o relatório dedica algumas páginas à questão do ministério ordenado.

No Sínodo assumiu-se, como questão a aprofundar, que «a Igreja é atingida pela polarização e pela desconfiança em âmbitos cruciais, como a vida litúrgica […]. Devemos reconhecer as causas através do diálogo e levar a cabo processos corajosos de revitalização da comunhão e de reconciliação para as superar» (I, 5 h). Entre as situações presentes no debate sinodal, é de supor que esteja a fratura entre os que são refratários à reforma litúrgica pós-conciliar, reclamando o uso dos livros litúrgicos anteriores ao Concílio, e os que assumem, com o Papa Francisco, que há uma única «lex orandi» do Rito Romano vigente nas edições típicas promulgadas por São Paulo VI e sucessores. Mais do que uma questão de nostalgia, compreensível nos mais idosos, afeiçoados às antigas formas rituais com que se familiarizaram desde a infância, a questão parece ser mais de tipo cultural ou ideológico e hoje envolve (muitos?) jovens que nem sequer têm a preparação linguística pressuposta para a participação em celebrações litúrgicas em língua latina. Há que enfrentar com paciência e lucidez as temáticas doutrinais que aduzem como razão para a divergência: sobre a presença real de Cristo ressuscitado e do seu sacrifício redentor na celebração do mistério eucarístico, sobre a teologia do ministério ordenado e o sentido da participação dos fiéis, etc.

Mas o diálogo teológico não basta. Por isso, no Sínodo foi proposto que se cuidasse da qualidade das nossas celebrações eucarísticas para que sejam autênticas, belas, formativas. Porque, como lembrava Francisco em Desiderio desideravi, mais importante do que formar para a liturgia é ser formado pela liturgia. Mas isso só acontecerá se as celebrações forem novamente o que nunca deveriam ter deixado de ser: fascinantes de beleza na sua nobre e austera simplicidade (a não confundir com vulgaridade). Para tal, devemos cultivar – pastores e fiéis – uma genuína arte de celebrar que não vive de efeitos espetaculares ou imprevistos mas de docilidade ao Espírito, sentido de Igreja, respeito pelo caráter simbólico da ação sagrada e exercício assíduo das artes requeridas pela dimensão teândrica – divina e humana – da ação ritual em que, mediante ritos e preces, se torna presente e atuante o mistério pascal.