Algumas reflexões sobre realidades atuais

Por M. Correia Fernandes

Temos sido assolados por questões novas, ou postas de modo diferente. Umas abordadas com equilíbrio mental e sensorial, outras com comentários saídos pelos poros do desequilíbrio e da insensatez. Atentemos em algumas.

A questão climática. É comummente aceite que a atenção às modificações climáticas deve merecer a atenção de todos os responsáveis: cidadãos, grupos sociais, autoridades governativas, movimentos cívicos mais atentos. Porém, o problema levanta-se não no objetivo mas nos métodos e processos de atuação. Temos assistido a atitudes em que o insensato despreza e contradiz todo o equilíbrio da ação. Desde o lançamento de jatos de tinta verde sobre figuras públicas, até à obstrução das vias de circulação, temos visto de tudo. A linguagem utilizada é quase apocalíptica e quer dar a impressão de que estamos todos às portas de um abismo, que no entanto ninguém consegue identificar. Se por um lado pode ser razoável restringir o uso dos combustíveis fósseis, por outro lado esse é um propósito que deve ser conduzido com equilíbrio e sabedoria política. Quando os agentes do que consideram uma ação de contornos ecológicos gritam histericamente diante das pessoas e das situações, promovem manifestações de destruição ou agridem pessoas revestidas de autoridade ou agentes de equilíbrio humano, alguma coisa tem que estar errada: as próprias manifestações se tornam agentes do desequilíbrio climático, porque antes do desequilíbrio climático está o desequilíbrio pessoal e humano.  Por outro lado, os processos que a administração pública tem vindo a tentar como forma de diminuir as emissões de gases com efeito estufa padecem do erro crónico de recorrer às coimas ou aos impostos como critério e remédio. É sabido que essa via não só não é eficaz como se torna geralmente injusta.

A via a utilizar deve ser a da consciencialização e a de tornar as normas legais fundamentadas nos direitos e no serviço dos cidadãos, não na constante repressão e cominação de penas. Há que encontrar caminhos de equilíbrio da natureza como dos processos de uma cultura ecológica.

Os dramas da guerra. O ataque do Hamas sobre o território de Israel, ocorrido em 7 de outubro e as reações que se lhe seguiram criaram um novo foco de tensão internacional. Um dos resultados mais visíveis no mundo da informação é que se esqueceu o drama da invasão da Ucrânia e dos dramas que por lá se continuam a viver (como em outras partes do mundo). É o retrato da falta de consciência social no mundo da informação, tornada monotemática, imitativa e repetitiva. E também da limitação da consciência social aos dramas que a envolvem. E igualmente da incapacidade dos poderes públicos e governativos em pretenderem superar o efeito das ações de carácter terrorista, substituindo-as por outras ações de carácter terrorista. É o que acontece em Gaza e igualmente na Ucrânia. Todo o terrorismo é desumano e todas as formas de guerra são injustas.

As iniciativas culturais.  Nos dias que vão correndo proliferam numerosas iniciativas com o rótulo de culturais. Claro que na condição humana tudo é cultura: construtiva ou meramente evasiva, procurando responder à ânsia de divertimento ou das pulsões veneradoras do espetáculo. Vemos  conviverem iniciativas de arte, de concertos musicais marcados pela capacidade criativa das grandes orquestras ou agrupamentos em que a sensibilidade estética se torna verdadeiramente humana e dinâmica, com outras iniciativas populares em que mais manda a diversão do que a cultura. Quando porém se perfila a necessidade  de apoios oficiais, todos partilham o mesmo epíteto de cultura. É busca de uma boa dimensão.

Os dramas da saúde e da educação.  Têm também ocupado ingentes espaços informativos. Basta a reorganização de um qualquer tipo de urgência médica para se instaurar um drama social. Temos vindo a assistir a uma avalanche incontida de greves gerais ou parciais, oportunas ou distorcidas, sectoriais ou estrategicamente orientadas, que em muitos casos não cumprem verdadeiramente o sentido e a seriedade política e social de uma greve. No campo da saúde, em que têm aumentado os investimentos oficiais, respeitando a necessidade de atualização das carreiras e das qualidades das condições de trabalho, parece que assistimos a uma luta de interesses profissionais que revelam para além da missão social e desempenhar.

O mesmo se diga da classe dos professores, que tem sido marcadamente desvalorizada no tecido social, mas em que a proliferação das formas de greve têm percorrido muito os caminhos do inútil e do ridículo. Uma valorização da carreira docente e a recuperação de tempos perdidos em situações de anos passados devem merecer o equilíbrio humano para as pessoas e o equilíbrio educacional para a sociedade. A ação repetitiva  e marcada por uma agressividade ínsita, expressa em linguagem por vezes pouco educacional, não favorecem o exercício de um direito cívico.

Novas dimensões sinodais da Igreja. Uma celebração presidida pelo Papa Francisco constituiu o encerramento conclusivo da primeira sessão da assembleia sinodal, realizada ao longo deste mês de outubro de 2023. O tempo da assembleia ficou também marcado pelo conflito da faixa de Gaza, que tem marcado a inquietação das mensagens do Papa e certamente desviado o campo das mensagens do Sínodo, levando-o a torcer o rumo universalista para o rumo concreto do Médio Oriente. Francisco alertou para a para tentação de «controlar» Deus em esquemas e estratégias dos interesses e do poder. Um dos apelos mais repetidos foi o de um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, e sobretudo o acesso da ajuda humanitária a Gaza, indispensável para a sobrevivência das populações.

“Cessem o fogo! A guerra é sempre uma derrota, sempre” foi um apelo repetido. Porém, quando entra a lógica da violência, não há apelo nem linha de rumo que lhe resista, a nãos ser a da destruição para a vitória, verdadeira ou suposta. Os apelos e propostas de paz vindos de vários lados nunca travam as ânsias da guerra. Mesmo que venham das Nações Unidas.

À Guerra  se têm juntado também dramas de outro tipo, como tempestades, furacões ou fenómenos sísmicos, com que a própria natureza fere o equilíbrio humano.

Importa lembrar a publicação do documento final da sessão do Sínodo, que resume as mais de três semanas de trabalhos, em que se evidenciou um consenso alargado entre participantes sobre o ministério dos bispos,  o papel das mulheres, o ecumenismo, e muitos temas fronteira para o mundo hodierno. Um facto digno de realce, também evidenciado no Concílio, é a ampla maioria dos votantes na aprovação dos documentos, o que traduz o sentido da procura de soluções e a oportunidade das orientações.

Entre os pontos marcantes do debate salientam-se  a necessidade do diálogo que evite  fenómenos como o clericalismo, o uso inadequado da autoridade, o relacionamento entre homens e mulheres e a possibilidade do acesso destas às diversas funções na Igreja, designadamente o diaconado, os processos de “tomada de decisão e de responsabilidade” na orientação das comunidades. Foi abordado também a questão da obrigatoriedade do celibato sacerdotal, assunto que se considerou dever ser objeto de aprofundamento teológico e pastoral.

Foram igualmente  abordadas questões relativas à identidade de género e à orientação sexual, e é significativo que tenha sido manifestada a inquietação com a relação da Igreja com o mundo das tecnologias de comunicação levou à proposta “reconhecimento, formação e acompanhamento” para “missionários digitais”, criando “redes colaborativas de influencers”.

É oportuno lembrar a palavra do Papa ao afirmar que o Sínodo não é um Parlamento e a mensagem do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, ao afirmar que o Sínodo é o sinal de “uma Igreja em caminho que se reúne, se movimenta e caminha”, e se abre ao mundo.