As dinâmicas da atualização da Igreja

Por M. Correia Fernandes

Nestes dias em que se encontra em realização a sessão do Sínodo dos Bispos, pode ter interesse abordar algumas propostas do Papa Francisco, numa entrevista concedida à jornalista Bernarda Llorente, presidente da agência de notícias Télam, oficial da República da Argentina. Acresce o interesse dos temas pelo facto das declarações nascerem de uma fonte da terra da naturalidade do Papa Francisco (atualmente em processo eleitoral),  e do sentido mais amplo da presença das palavras e das ideias no mundo sul-americano, com as dimensões universalistas que encerram, e nas quais emergem temas atualmente em discussão, como os contornos da inteligência artificial, o sentido do trabalho e a falta de dignidade que nele tantas vezes existe, os dramas da guerra e o sentido e alcance do Sínodo.

Começa por ser significativo o facto de Francisco recordar a figura de João XXIII, Papa de 1958 a 1963, considerando que ele foi figura que no seu tempo teve a percepção de que havia transformações necessárias na Igreja, salientando que não se tratava de uma moda mas de uma mudança de pensamento em ordem ao crescimento e valorização da missão da Igreja no mundo, progredindo pelo desenvolvimento e respondendo aos desafios. Daí a ideia de convocar o Concílio Vaticano II, que se tornou fonte de novas dimensões na estrutura da Igreja e no sentido da evangelização.

Acentua Francisco que a Igreja já tem vindo a mudar em muitas coisas, sobretudo no esforço de diálogo e de procura de respostas aos novos desafios, dentro da verdade essencial da revelação de Jesus Cristo, evidenciando que o dogma revelado “não muda mas cresce” como a seiva de uma árvore. Manifestou-se contra o pensamento único, cuja prática considerou como uma traição à humanidade.

No contexto das guerras que estamos a viver, propôs que as soluções só podem ser encontradas através do diálogo, que não pode ser nacionalista mas tem que possuir a características de universal, superando os processos da guerra, que se têm vindo a afirmar em todo o mundo, ainda que as mais faladas resultem da proximidade dos poderes ou das influências económicas. Com efeito, pouco se fala da guerra no Sudão ou em Myanmar, tendo a comunicação social centrado os seus centros de observação na Palestina ou na Ucrânia.

A vontade de estar presente no mundo levou o Papa a afirmar a vontade de visitar a Argentina ou a Papua Nova Guiné…

Sobre a questão ultimamente falada da “inteligência artificial”, o Papa mostra-se cauteloso, mas atento: devemos estar abertos. Salvaguardando  sempre a dignidade humana, a justiça social, o respeito pelas instituições legítimas.

Significativo é o apelo, tantas vezes já feito e repetido, do respeito pelo trabalho e pela dignidade do trabalhador, considerando a exploração dos trabalhadores como um dos pecados mais graves.

Significativa é a interpretação da fé e da atitude da relação com Deus, que podemos considerar modelo para o cristão comum: a sua forma de se expressar “é sempre simples, às vezes reclama com Ele, mas sabe que “Deus está próximo de nós. Deus é misericordioso, perdoa-nos tudo e tem uma paciência impressionante connosco. E é meigo, aquela coisa delicada de Deus, mesmo nas provas difíceis. É assim que eu o vivo”, testemunha. Eis um modelo de espiritualidade humana para qualquer cristão e para qualquer crente.

É igualmente significativo o sentido da simplicidade vital, buscando o bom humor, a capacidade de saber que na vida há sempre a possibilidade do sorriso.

Tudo isto revelado em contexto sinodal, adquire também sentido salvífico: o trabalho de análise, de interpretação da vida, de diálogo, deve possuir esta capacidade humana de relativizar o que é relativo para poder afirmar o que é essencial.

De alguma forma, este diálogo foi  sublinhado pelas afirmações produzidas a respeito da frase “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, apelando ao compromisso político dos católicos, porque a fé deve ter uma relação criativa com a vida, lembrando: “A César – isto é, à política, às instituições civis, aos processos sociais e económicos – pertence o cuidado com a ordem terrena; e nós, que estamos imersos nesta realidade, devemos restituir à sociedade o que ela nos oferece, através do nosso contributo como cidadãos responsáveis, prestando atenção àquilo que nos é confiado, promovendo o direito e a justiça no mundo do trabalho”, não pensando nem agindo “como se a fé não tivesse nada a ver com a vida concreta, com os desafios da sociedade, com a justiça social, com a política”.

Também importa desenvolver valores espirituais na vida social e política.