Por João Alves Dias
“Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.” (Mt, 11, 25-37)
A inspiração para este texto surgiu-me no dia 9 de julho em Campanhã, ao ouvir, na celebração dominical, o meu pároco, P. Fernando Milheiro, comentar esta oração de Jesus: Jesus já tinha passado por muitas provações e, no entanto, bendiz o Pai por todos os momentos, bons e maus. Assim nós, nas horas boas e más, nas alegrias e tristezas, devemos louvar o Senhor da Vida.
Por coincidência na véspera, tinha ido almoçar com um amigo de longa data. Fora a primeira vez que nos encontrávamos após a partida de sua mãe que falecera pouco tempo depois do pai.
Foi um momento em que a tristeza da saudade se atenuou com a gratidão da memória. Ao evocarmos episódios dum passado feliz de convivência, lembrámos um grupo de famílias que seus pais, Olga Celeste e José Guilherme, criaram e animaram ao longo das décadas de oitenta e noventa do século passado.
Todos os anos, realizávamos um passeio de fim de semana – chegámos a ser treze carros – por terras do interior desde o mosteiro de Sanfins de Friestas sobranceiro ao rio Minho até Mourão debruçado sobre o Guadiana, passando por Miranda alcantilada no Douro, pelo mosteiro de Lorvão no Mondego e pelo castelo de Almourol numa ilha do Tejo, chegando, já em Espanha, à ‘nossa’ Olivença manuelina e a Mérida, a monumental capital da Lusitânia romana.
Rebobinámos a fita do tempo e vimo-nos a trepar aos castelos roqueiros de Castro Laboreiro e Monsanto, os mais íngremes; a pernoitar em Monsaraz e a cantar, em Idanha-a-Nova: “Senhor do Almortão/ Ó minha linda raiana / Virai costas a Castela / Não queirais ser castelhana.”
E terminámos com uma palavra de gratidão. São vivências que nos enriqueceram a vida. São nossas e a memória fazem-nas presentes.
Evocámos, de seguida, os amigos que connosco partilharam desta aventura, num tempo sem autoestradas, nem telemóvel ou GPS e em que, do interior, nem se falava.
Desse grupo, só dois dos casais originais estão vivos… Todos os outros já nos deixaram.
Os olhos humedeceram-nos de saudade, mas, mais do que lamentos, demos graças por Deus os ter colocado nos caminhos da nossa vida.
Foi, pois, com natural satisfação que, pouco tempo depois, ao ler o livro “A alegria dum sorriso” do Papa Francisco, encontrei as seguintes palavras:
“Um cemitério é triste, recorda-nos dos nossos entes queridos que se foram, recorda-nos também do futuro que nos espera, a morte. Mas nessa tristeza trazemos flores, como sinal de esperança, até de festa, com o passar do tempo. E a tristeza mistura-se com a esperança. É isso que todos sentimos diante dos restos dos nossos entes queridos: a memória e a esperança.” (pág. 19)
Nos dias que se avizinham sejam estes os nossos sentimentos ao visitar os jazigos onde repousam aqueles que nos são queridos: louvar a Deus pela vida que nos permite rezar por eles; dar graças a Deus por eles se terem cruzado connosco, certos de que, como escreveu Antoine Saint-Exupéry, no Principezinho: “Aqueles que passam por nós, não vão sós: deixam um pouco de si, levam um pouco de nos.”
A terminar, deixo-vos com a palavra e o exemplo de José Matoso – ‘Prémio Pessoa’ em 1987 e ‘Prémio Árvore da Vida’, em 2019 – o grande medievalista que soube conciliar o prestígio da ciência com a humildade da fé e faleceu precisamente no dia (8/7/2023) em que eu e o João Paulo dávamos graças pela vida.
“É bom acreditar que merece a pena ‘levantar o Céu’, e lembrarmo-nos de que não estamos sozinhos. Felizmente há muitas mulheres e homens neste mundo a tentar unir esforços para manter o contacto entre o Céu e a Terra. É esse o caminho que a sabedoria ensina a percorrer para encontrar a saída do labirinto em que a vida nos coloca.
… há uma coisa com a qual me sinto bem; é aquele ‘gracias a la vida, que me ha dado tanto’. É isto que sinto”.
Somos criaturas e, como tal, finitos e contingentes. Não somos deuses. Essa, a tentação originante: “Sereis como deuses” (Gn, 3,5).