Por João Alves Dias
(Continuação do número anterior)
Tudo começou em Ceuta. Esta ‘praça-forte’ marroquina, para além da sua localização estratégica como ‘porta de África’ e ‘sentinela do Estreito de Gibraltar’, era muito rica. Nela, convergiam a rota do ouro vinda da África subsariana (Tombuctu) e a das especiarias., do Oriente.
A sua conquista pelos portugueses, em 1415, ecoou pela Europa e animou toda a Cristandade. Fora ‘meter uma lança em África’…
Todavia, foi um fracasso económico porque as caravanas desviaram as rotas comerciais para outras cidades das redondezas. E Ceuta ficou ao abandono.
Havia, pois, quem, no Reino, defendesse a conquista dessas cidades vizinhas.
Após o ‘Tratado de Paz’ com Castela (1431), D. João I pediu o parecer aos seus filhos. Das respostas conhecidas, o único a defender abertamente a continuação das conquistas africanas foi o Infante D. Henrique.
Curioso é um argumento do Príncipe D. João: “Ainda a guerra de mouros nom somos certos se é serviço de Deus porque eu nom vi nem ouvi que Nosso Senhor nem algum dos seus apóstolos nem doutores da Igreja mandassem que guerreassem infiéis”. (Luís Miguel Duarte, D. Duarte)
D. Duarte, ao subir ao trono, não teria intenção de prosseguir essa campanha.
Porém, o infante D. Fernando, por diversas vezes lhe manifestou o seu descontentamento.
Sentia- se inferiorizado e pobre. Inferiorizado porque, contrariamente aos irmãos mais velhos, Duarte, Pedro e Henrique, armados cavaleiros em Ceuta, ele ainda não pudera provar a sua valentia em campo de batalha. Pobre, porque, embora fosse o ‘Mestre da Ordem de Avis’, apenas recebera em herança Atouguia e Salvaterra do Campo de Santarém.
Queria uma oportunidade para mostrar a sua valia militar e assim exigir ao rei a justa recompensa pelos seus feitos. E a campanha africana era o seu ideal.
Incomodado, D. Duarte ouviu a opinião do seu irmão D. Henrique, ‘Mestre da Ordem de Cristo’ que se mostrou favorável às pretensões de D. Fernando e se disponibilizou para o acompanhar apenas com o apoio dos monges-guerreiros das duas Ordens Militares de que eram Mestres.
D. Duarte, pressionado, também, por sua esposa D. Leonor, acabou por ceder. Mas, contrariamente ao pai, D. João I, que combateu em Ceuta, não seguiu com a armada nem permitiu que os outros irmãos o fizessem.
A campanha marroquina foi um desastre. No ataque a Tânger, tudo correu mal.
Os portugueses viram-se encurralados pelos exércitos mouros. Sem possibilidade de fuga, a fome e a sede forçaram o Infante D. Henrique a assinar o compromisso proposto pelos muçulmanos: “os cristãos sairiam em liberdade. Comprometiam-se a entregar Ceuta com os cativos muçulmanos e o infante D. Fernando ficaria como penhor dessa devolução” (ob. ci.)
Aqui começou o drama do Infante D. Fernando, primeiro, em Arzila onde escreveu uma carta a D. Duarte a pedir a entrega de Ceuta. Depois, em Fez, onde o cárcere se tornou bem mais penoso.
D. Duarte, colocado perante o dilema de entregar Ceuta ou deixar morrer o irmão no cativeiro, convocou as Cortes de Leiria de 1438. As opiniões divergiram e formaram-se quatro blocos, dois dos quais com posições bem extremadas:
O primeiro, liderado pelos infantes D. Pedro e D. João, “defendia a entrega imediata de Ceuta e a libertação de D. Fernando, sem mais. Nomeadamente porque esse fora o pacto assinado pelo Infante D. Henrique”.
No polo oposto, o grupo encabeçado pelo sobrinho do Rei, D. Fernando, afirmava que a entrega de Ceuta estava fora de causa. O rei não o podia fazer.” (Id)
Como a maioria era contra a entrega, D. Duarte apelou ao Papa e a outros reis cristãos para libertarem D. Fernando e recebeu apenas palavras de conforto: “Rezariam muito para que as coisas acabassem em bem e, se acabassem em tragédia, todos louvariam muito o martírio e o santo exemplo do infante D. Fernando” (id).
E acabou mesmo em tragédia. Em 1443, o Infante morria no cativeiro.
Estavam lançadas as bases do mito patriótico – do mártir morto no exílio em defesa da Pátria, ‘O Infante Santo’ – que ajudou a camuflar uma nódoa na ‘boa memória’ da ‘Ínclita Geração’ e a esquecer que, como já fizera D. Afonso Henriques, mais uma vez, faltámos à palavra dada. Não nos honra… Os fins, por mais válidos, não justificam os meios…
Post Scriptum – Notícia de última hora…
“Portugal vai organizar o Mundial de 2030, juntamente com Espanha e Marrocos, anunciou a FIFA” (JN, 5/10/2023). Tempos novos…