
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
A celebração da Eucaristia não é um mero rito, um cerimonial: é um mistério, o desígnio amoroso do Pai, consumado pelo Filho feito homem, na força e pela força do Espírito, consumado na plenitude dos tempos e presente no sacramento «todas as vezes que» se celebra o memorial desse mistério, em obediência ao mandato do Senhor e no dinamismo do seu Espírito. A Eucaristia é sempre um encontro pessoal e comunitário com Cristo Ressuscitado, realmente presente nas diversas modalidades referidas pelo Magistério da Igreja: «na própria assembleia congregada em seu nome, na pessoa do ministro, na Sua palavra e, ainda, de uma forma substancial e permanente, sob as espécies eucarísticas» (IGMR 27). «O mistério admirável da presença real do Senhor sob as espécies eucarísticas, reafirmado pelo II Concílio do Vaticano (SC 7, 47; PO 5, 18) e outros documentos do Magistério da Igreja, no mesmo sentido e com a mesma doutrina com que o Concílio de Trento o tinha proposto à nossa fé (DS 1635-1661), é também claramente expresso na celebração da Missa não só pelas próprias palavras da consagração, em virtude das quais Cristo se torna presente por transubstanciação, mas também pelo sentido e pela expressão externa de suma reverência e de adoração de que é objeto no decurso da liturgia eucarística» (IGMR 3). E não é só em momentos particulares do ano litúrgico, como em Quinta-Feira Santa ou na Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo que esta adoração pessoal e comunitária se deve exprimir de forma concreta – sensível, corpórea –, mas sempre que se celebra o mistério eucarístico e também noutras formas de culto eucarístico fora da Missa. De facto a presença real de Cristo nas espécies consagradas é permanente, isto é, persiste com toda a sua verdade enquanto persistirem as sagradas espécies, habitualmente reservadas no Sacrário das nossas Igrejas.
É por isso que a IGMR e o Ordinário da Missa preveem e prescrevem atitudes e gestos expressivos da adoração, tanto aos ministros sagrados – sacerdote que preside, concelebrantes, diáconos – como a todos os demais fiéis. E é importante que essas atitudes e gestos sejam fielmente observados.
Faz-nos falta «formação litúrgica». Não apenas uma instrução teórica, mas uma verdadeira educação, segundo o exemplo dado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica Desiderio desideravi no n. 47: «Penso nos pais e, mais ainda, nos avós mas também nos nossos párocos e catequistas. Muitos de nós aprenderam precisamente com eles a força dos gestos da liturgia, como por exemplo o sinal da cruz, o estar de joelhos, as fórmulas da nossa fé. É possível que já não nos lembremos bem, mas facilmente podemos imaginar o gesto de uma mão maior que toma a mão pequena de uma criança e a acompanha lentamente no traçar pela primeira vez do símbolo da nossa salvação. Ao movimento juntam-se as palavras, também elas lentas, quase a querer tomar posse de cada instante daquele gesto, de todo o corpo: “Em nome do Pai … e do Filho … e do Espírito Santo … Amen”. Para depois deixar a mão da criança e vê-la a repetir sozinha, prontos a ajudá-la, aquele gesto acabado de entregar, como uma veste que crescerá com ela, vestindo-a no modo que só o Espírito conhece. A partir daquele momento aquele gesto, a sua força simbólica, pertence-nos ou, talvez seja melhor dizer, nós pertencemos àquele gesto que nos dá forma, somos formados por ele. Não são precisos muitos discursos, não é necessário ter compreendido tudo daquele gesto: é preciso ser-se pequenino quer no entregá-lo quer no recebê-lo. O resto é obra do Espírito. Assim fomos iniciados na linguagem simbólica. Desta riqueza não podemos deixar-nos despojar. Crescendo poderemos ter mais meios para poder compreender, mas sempre na condição de continuarmos pequenos».
Não podemos deixar de deplorar a negligência a que se assiste neste campo da educação/formação litúrgica nas nossas catequeses. Raros são os catequistas que se esmeram na educação das crianças para fazerem bem a genuflexão. Contentam-se com uma vénia que de modo algum tem uma capacidade equivalente para exprimir o sentido da adoração. Veja-se a diferença claramente expressa em IGMR 274 e 275.
Relembremos o grande educador/mistagogo da juventude que foi Romano Guardini:
«O que faz uma pessoa quando se enche de orgulho? Endireita-se, levanta a cabeça, apruma os ombros, o corpo todo. Tudo nele clama: “Sou maior do que tu! Sou mais do que tu”! Ao contrário, quando alguém é humilde de sentimentos e se sente pequeno, inclina a cabeça, dobra-se todo, “abaixa-se”. E tanto mais profundamente o faz, quanto maior é aquele diante de quem está, ou quanto menos ele próprio valer a seus olhos. Mas onde sentimos nós mais claramente quão pouco somos do que quando estamos diante de Deus? … O Deus santo, puro, justo, infinitamente sublime… Como Ele é grande… e como eu sou pequeno! Tão pequeno que de modo nenhum me posso comparar com Ele, que diante d’Ele sou um nada! Não é verdade – evidente em si mesma – que não se pode estar diante de Deus em atitude de altivez? “Tornai-vos pequenos”; quando quer diminuir o seu tamanho, a fim de não se apresentar com tanta presunção, o homem ajoelha-se. E se para o seu coração isto ainda não bastar, pode até prostrar-se. Assim profundamente inclinada, a pessoa diz: “Tu és o Deus grande; eu, porém, sou nada”.
Quando dobrares o joelho, não o faças apressadamente e de forma descuidada. Dá alma ao teu ato! E que a alma do teu ajoelhar consista em inclinar também o coração diante de Deus, em profunda reverência. Quando entrares ou saíres da igreja ou passares diante do altar, dobra o joelho profunda e lentamente e que todo o teu coração acompanhe este fletir. Isso há de significar: “Meu Deus altíssimo!…”. Isto sim que é humildade e verdade, e fará sempre bem à tua alma» (GUARDINI, Sinais Sagrados, Fátima SNL 2017, p. 17-18).