
Em 24 de setembro de 2017 faleceu a Maia, onde residia, D. Manuel da Silva Martins (1927-2017) aos noventa anos de idade. Sacerdote do Porto, ordenado presbítero em 1951, foi ordenado Bispo em 26 de outubro de 1975, por ter sido nomeado Bispo de Setúbal em 16 de julho desse ano. A sua ação como bispo de Setúbal, desenvolvida em situação socialmente dramática e sendo inicialmente considerado e contestados como homem de raiz conservadora, acabou por exercer a sua missão de uma forma de tal maneira devotada e atenta às realidades sociais, ao serviço dos mais carentes e marginalizados, que granjeou a admiração mesmo dos opositores. Desempenhou a missão de Bispo ao longo de 23 anos e regressou à sua terra natal, em Leça do Balio, onde continuou a exercer a missão episcopal de uma maneira atenta e colaborante com as comunidades cristãs, bem como na Fundação Spes, herança de D. António Ferreira Gomes. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo em 2007 e, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade em outubro de 2017.
Uma das suas atividades na continuidade do ministério foi a escrita e colaboração quer no Jornal de Matosinhos de 2016 a 2017, reunido em livro pela Fundação Spes, com o título Nascemos Livres (2018).
Nesses mesmos anos de 2016 e 2017 escreveu para o mensário Crescendo, boletim paroquial de Santa Cruz do Bispo, no concelho de Matosinhos, um conjunto de breves crónicas, surgidas a propósito de acontecimentos ou factos de índole eclesial, agora editado pela Paulinas Editora, 2023, com o título CRESCENDO com cheiro a primavera, que foi apresentado no Centro Social de Santa Cruz do Bispo na tarde do domingo 24 de setembro de 2023, 6.º aniversário do seu falecimento.
O último texto vem datado e foi publicado na edição de agosto-setembro de 2017, escrito justamente para o número do mês em que veio a falecer.
São textos breves, mas de grande atenção à vida e sensibilidade dos sentimentos. Em cima de acontecimentos eclesiais, manifestam igualmente uma capacidade de atenção social e pastoral, de leitura da fé popular conjugada com a sensibilidade evangélica e com a raiz humana digna de reconhecimento, num homem e num bispo de quase noventa anos.
A apresentação desse livro, breve ou longo de 95 páginas, esteve a cargo do antigo Presidente da Câmara de Matosinhos, Narciso de Miranda. A apresentação constituiu um espécie de memória re-vivencial, uma recordação da forma simples e humana de agir do bispo, atento à realidade social, evidenciando a proximidade ao povo, nas mensagens que enviava ao Presidente e na busca da verdade em todas as coisas: estava sempre atento às pessoas e às instituições. Mais que trazer as pessoas à Igreja, procurava levar a Igreja para junto das pessoas. Um testemunho de memória e emoção.
Teve também a palavra o seu antigo colaborador Eugénio da Fonseca, que o acompanhou em muitas tarefas pastorais em Setúbal, evidenciando a sua capacidade de atenção aos problemas e aos dramas vividos pela população.
Ouviu-se igualmente a palavra d Fernando Rocha, Vereador da Cultura da Câmara de Matosinhos, citando alguém que não sendo católico afirmara que Manuel Martins foi um santo, evidenciando a sua atenção aos problemas humanos.
O pároco de Santa Cruz do Bispo e Diretor do mensário Crescendo, evidenciando a atenção constante que sentia de D. Manuel em relação àquela comunidade, lembrou outra figura que com ele colaborou: o P. Eloy Pinho, colaborador na paróquia de Cedofeita e mais tarde Diretor da Voz Portucalense, de quem D. Manuel dizia que confiava inteiramente na justeza das suas ações.
Os temas abordados por D. Manuel são múltiplos: assinala a eleição do Papa Francisco com as palavras “Nasceu entre nós um profeta”. Mas estão presentes os tempo litúrgicos, as festas de cada ano, como o Natal e a Páscoa, as efemérides como o Ano da Misericórdia, ou a atenção a certos fenómenos sociais dignos de repulsa ou de censura, ou aos factos sociais desajustados. Um dos textos começa assim: “Parece que andamos todos zangados uns com os outros. Lemos jornais, e que vemos?” Propõe depois os “caminhos da tolerância ativa e inteligente que me leva a encontrar-me, na amizade e na paz, com todos os outros, sem pôr de parte ninguém só porque não pensa como eu”.
No dizer do pároco João Matias, estes textos são como uma “luzinha da memória”.
Oxalá que Manuel Martins continue a sua proteção a este boletim paroquial rico de ensinamentos e sugestões, para que continue a exalar “cheiro a primavera”.
CF