Eça de Queiroz, o Panteão e o Porto

Por M. Correia Fernandes

Tem vindo a ser de novo objeto de discussão, de aceitação ou de repulsa, a aprovação pela Assembleia da República da  resolução que concede honras de Panteão Nacional ao diplomata, romancista e crítico social José Maria Eça de Queiroz (1845-1900), a qual fora aprovada, por unanimidade, em plenário, no dia 15 de janeiro de 2021.

A sepultura de Eça de Queiroz encontra-se no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião, não longe da atual sede da Fundação Eça de Queiroz na quinta de Tormes, a que preside atualmente um dos seus descendentes, o trineto e também escritor Afonso Reis Cabral. A trasladação estava prevista para este dia 27 de setembro deste ano, mas entretanto corre ainda no Supremo Tribunal Administrativo a providência cautelar interposta por descendentes do escritor e aceite pelo Tribunal, que aguarda pronunciamento da Assembleia da República para fundamentar a sua decisão. Sabe-se que não há unanimidade entre os descendentes queirozianos sobre a conveniência/inconveniência da trasladação prevista.

Panteão Nacional

Como é conhecido pela sociedade, o Panteão Nacional que se encontra instalado na antiga igreja de Santa Engrácia, sobranceira ao rio Tejo, monumento nacional de estilo barroco, nas suas linhas centrais edificado em finais do século XVII.

É no espaço que subjaz à sua grandiosa cúpula, que se encontra atualmente o Panteão Nacional, onde se lembram vultos da nossa tradição cultural e histórica, políticos, escritores e figura públicas. Entre as últimas figuras nacionais ali lembradas encontram-se a cantora, atriz e fadista Amália Rodrigues (1920-1999), traladada em 2001 e o futebolista Eusébio da Silva Ferreira, traladado em 2015. Entre os homenageados encontram-se Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), alvo de homenagem, através do descerramento de uma placa, em outubro de 2021.

Entre as figuras que ali encontram sepultura, lembram-se os políticos que foram Presidentes da República Manuel de Arriaga (1840-1917), Teófilo Braga (1843-1924), Sidónio Pais (1872-1918), Óscar Carmona (1869-1951), e o candidato em 1958  Humberto Delgado (1906-1965).

Entre os escritores encontram-se Almeida Garrett (1799-1854), Aquilino Ribeiro (1885-1963), Guerra Junqueiro (1850-1923), João de Deus (1830-1896), Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), trasladada a 2 de julho de 2014, dez anos após a sua morte.

Figuras como Luís de Camões, Pedro Álvares Cabral, Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque e Nuno Álvares Pereira encontram-se assinalados através de placas comemorativas.

Esta lembrança põe em evidência que poucas são as figura s nacionais lembradas no Panteão. Há certamente outras formas de homenagear condignamente os grandes vultos nacionais em campos tão diversos como a governação, a escrita, o pensamento.

Eça de Queiroz no Porto

Este facto da controvérsia sobre a trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão, de que se tem vindo a falar nestes dias, lembrou-nos a oportunidade de lembrar a presença da Eça na cidade do Porto, habitualmente pouco conhecida ou referenciada, embora tenha sido aqui que conheceu a que seria sua esposa,  Emília de Castro Pamplona (desde 1886 a 1900), cuja herança conduziu ao conhecimento pelo escritor das terras de Baião e Resende, que originaram obras suas como A Cidade e as Serras ou A Ilustre Casa de Ramires.

O insigne polígrafo Alfredo Ribeiro dos Santos, médico e ensaísta (1917-2012), publicou em 2009, nas Edições Afrontamento, uma extensa e bem documentada História Literária do Porto através das suas publicações periódicas, com prefácio de Fernando Guimarães e dedicado à memória de José Augusto Seabra (1937-2004). Nesse extenso trabalho de 520 páginas encontra-se a memória literária da segunda metade do século XIX e de todo o século XX, através das revistas publicadas no Porto.

Entre elas, queremos agora lembrar, em função da efeméride, a publicação que foi dirigida por Eça de Queiroz, a Revista de Portugal. Recorda Ribeiro dos Santos, pela pena de Ramalho Ortigão, a origem da conhecida foto de “O Grupo dos Cinco”. Afirma Ramalho que “ao sentarmo-nos à mesa para almoçar juntos no restaurante do Palácio de Cristal, com Antero de Quental, Guerra Junqueiro e Oliveira Martins”, “findo o almoço, os cinco sentaram-se , todos juntos outra vez, diante de uma objectiva fotográfica e fizeram-se retratar”, originando assim a conhecida foto designada como “O Grupo dos Cinco”, que eram, na foto que apresentamos, da esquerda para a direita Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro.

Foi por essa altura que no Porto Eça fez publicar a Revista de Portugal, que Alfredo Ribeiro dos Santos considera que “foi, talvez, a mais representativa da Cultura Portuguesa  no século XIX”.

Desta revista publicaram-se, já com Eça ausente primeiro em Newcastle e depois em Paris, vinte e quatro números. Nela escreveu Antero de Quental um único texto, que foi as “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX”. Eça fez aí publicar dez das suas “Cartas a Fradique Mendes” e a sua tradução do romance As Minas de Salomão de Rider Haggard. Entre os diretores seguintes contam-se Manuel da Silva Gaio e Luís de Magalhães. O colaborador mais assíduo viria a ser Oliveira Martins, publicando Os Filhos de D. João I, A Vida de Nun’Álvares e Crónicas Políticas.

Importa lembrar que a Revista de Portugal (1) tinha no seu projeto várias secções de âmbito cultural alargado, como Romances, Crítica literária, História, Filosofia, Agricultura, Economia Rural, crónica política e financeira, sociedade e costumes, o que manifestava uma ampla capacidade de atenção e estudo da sociedade portuguesa. Da revista se enviavam exemplares para diversos países, numa ideia de dar por ela a conhecer o universo mental português.

Este projeto de Eça de Queiroz manifesta a dimensão cultural e a amplitude de temas, que posteriormente se encontram plasmados nos seus diversos romances. Numa avaliação formulada pelo próprio Eça, tratou-se de um projeto “fundado com elevados intuitos de exercer uma ação educativa indispensável à dignidade das Letras pátrias”, considerando que “merecia um maior interesse intelectual do público leitor”.

No dizer de Ribeiro dos Santos, a revista que teve a duração de menos de três anos, “ocupa um lugar muito importante na obra de Eça de Queiroz”.

Importaria ainda lembrar um dado menos conhecido do público: que a obra de Eça de Queiroz foi, no final do século XIX, de longe a obra portuguesa mais traduzida em língua castelhana.

Esta memória lembra que um grande romancista não é apenas um fabricante de histórias, mas um autor e divulgador de saber e de cultura e que só esta dimensão acabará por fazer dele uma figura nacional e universal.

(1) Curiosamente, em 1937, sob a direção de Vitorino Nemésio, publicou-se em Coimbra com ao mesmo título de “Revista de Portugal” uma outra revista, cuja intenção era ser “exclusivamente literária e artística”, para divulgação de autores de língua portuguesa.