Os povos possam abraçar-se como irmãos e irmãs

Por Joaquim Armindo

“Através da força e da inspiração de Deus, todos os povos possam abraçar-se como irmãos e irmãs, e para que a paz pela qual anseiam possa florescer e reinar entre eles”. Com esta citação da encíclica “Pacem in Terris”, escrita pelo papa João XXIII, em 11 de abril de 1963 – 53 dias antes do seu falecimento -, termina a mensagem do bispo de Roma e papa Francisco, para a conferência por ocasião do 60.º aniversário da sua publicação e organizada pela Academia de Ciências Sociais e o Instituto de Investigação para a Paz de Oslo. A encíclica foi uma esperança – ainda o é -para todos nós que lutávamos pela paz. Escrita em tempos que em Portugal começava a guerra colonial foi como um abraço que a vimos, cristãos e cristãs de todas as denominações religiosas e ateus, a tomamos como nossa, era o nosso “não” a uma guerra que rejeitávamos. Assim também o entenderam os estudantes portugueses, diga-se. Discriminada pela alta hierarquia da igreja católica portuguesa a “Pacem in Terris”, constituiu a alavanca necessária a um tempo de esperança, depois da conhecida “guerra dos misseis”, envolvendo a União Soviética, os EUA e Cuba. Era e é um prenúncio de que “ ele julgará entre as nações, e repreenderá a muitos povos; e estes converterão as suas espadas em enxadas e as suas lanças em foices; uma nação não levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerrear.” (Isaías 2,4). A “Pacem in Terris” foi uma lembrança tempestiva deste verso de Isaías e o caminho de irmos trilhar de oposição a todas as guerras, nomeadamente à guerra colonial.

Como refere Francisco: “A Conferência é muito oportuna, uma vez que o nosso mundo continua a ser vítima de uma Terceira Guerra Mundial travada pouco a pouco e, no caso trágico do conflito na Ucrânia, não sem a ameaça de recorrer a armas nucleares.” A época que vivemos “tem essa estranha semelhança com o período anterior à “Pacem in Terris”, pelo que a torna atualíssima. Estes tempos são de uma “ameaça apocalíptica”, dado que as novas tecnologias de guerra continuam a proliferar e lembremo-nos que, infelizmente, “o consenso de longa data sobre a proibição de armas químicas e biológicas está em perigo.”

João XIII quando na sua carta refere que “as relações entre os Estados, como entre os indivíduos, devem ser reguladas não pela força armada, mas de acordo com aos princípios da reta razão: os princípios, isto é, da verdade, da justiça e da cooperação vigorosa e sincera”, está a ser profeta, porque se aplica ao ano em que vivemos, mesmo passando 60 anos. E é por isso que Francisco pede à reunião ora efetuada a inclusão de “uma reflexão ética disciplinada sobre os graves riscos associados à posse continuada de armas nucleares, a necessidade urgente de progressos renovados no desarmamento e o desenvolvimento de iniciativas para a construção da paz. Afirmei noutro lugar a minha convicção de que “a utilização da energia atómica para fins de guerra é imoral, tal como a posse de armas nucleares é imoral”, refere.