O Cinema visto pela Teologia (80): “Master Gardener”

Uma leitura do filme “Master Gardener*

Por Alexandre Freire Duarte

O cinema não existe para produzir filmes para a televisão, e por pouco não veria “Master Gardener”. Este drama de culpa e redenção não é, de modo algum, uma “obra-prima”, mas está quase lá. A narrativa é poderosa, intensa, impactante e sumptuosa, mas, ao mesmo tempo, formalmente simples e meiga no tratar de temas delicados e nas suas surpresas adequadamente fiéis às dores da vida (especialmente o pesar e a vergonha), ao decorrer da natureza e aos laços do amor (às vezes inaptamente reduzidos à sexualidade).

Para classificar Edgerton uma palavra basta: excecional. A sua atuação mostra que, quando há mais sob a superfície, “quanto menos melhor” e maravilha com a sua paleta de emoções, dores e expectativas, sempre dominadas pelos seus olhos, que vão da vulnerabilidade à raiva). Os demais atores parecem meramente estabelecer elos de sinergia com ele, mas Weaver, magistral no controlo dos sentimentos, sobressai e joga bem com os movimentos, quase mágicos ou etéreos, da câmara e da música insinuante.

Teologicamente falando, há que referir que em tudo há um ar maniqueu, derrotista, doentio e maligno no ar. Mesmo quando a beleza natural surge como metáfora do que poderá vir a emergir no Éden programado e ordenado, a expulsão para o deambular caótico parece ter força para tudo derrubar. Outra vez. Testando, entre segredos obscuros e jogos de poder, o desejo do reiniciar de novo, não mais numa fuga, mas na proteção e ulterior anuência a um amor inesperado como o de Deus-Amor, que brota “porque sim”.

Quais as causas do ódio e do amor? E não será o ódio um amor mal direcionado, posto a orbitar o nosso “ego” em vez do nosso “eu”? E quem pode aspirar a uma redenção de uma vida conflituosa, externa e sobretudo internamente, que foi virada do avesso, levando o florir a um alentar de outras pessoas e não a si mesmo? Tantas perguntas e uma só resposta: fugindo-se do que somos, nada seremos. Pode doer imenso o assumir (por vezes necessariamente público) dos nossos erros, falhas, ofensas, mas Deus está disposto a tudo isso abraçar com um carinho que nem cogitamos ou sonhamos.

Sou suspeito, mas não creio que seja possível ser perdoado sem querer perdoar, sem viver os privilégios inerentes ao segredo da grandeza, que é o de amar até esse perdão. Até essa reconciliação que, embora reforçando a certeza de que a opção por caminhos errados pode levar a realidades dramáticas, garante que há um futuro melhor à nossa espera. Sejamos nós capazes de nos aceitarmos com os olhos de Deus e viver sob a égide das virtudes dadas por Ele. As que estão presas à nossa carne, sem dela poderem soltar-se, sob pena de querermos arrancar as “ervas daninhas” nos demais e não em nós.

A busca do belo não é garantia de êxito, nem de saúde espiritual. Isto, tal como acontece em tudo o que de neurótico há em “Master Gardener”, pode comportar uma certa sensação de estranheza. Mas ainda bem. É esse agitar espiritual que poderá mostrar que a maior liberdade não está no escolher, mas no consentir, que jamais nos enganará exceto se nos pusermos a procurar nesse consentimento. Não ocorrendo isto, e a par de extirparmos, com Deus, as nossas “ervas daninhas”, estaremos em paz ao lado de todos aqueles acerca de quem muitos nos dizem “não merecer o nosso tempo” devido às suas vidas disfuncionais. Mas há que levar-lhes, em Jesus, o amor que inunda de calor e valor.

(* EUA, 2022; dirigido por Paul Schrader; com Joel Edgerton, Sigourney Weaver, Quintessa Swindell e Esai Morales)