Liberdade Religiosa no Mundo: um Relatório preocupante

Por M. Correia Fernandes

A Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre, uma Fundação Pontifícia), através da sua presença em Portugal, com sede em Lisboa, acaba de divulgar o seu relatório bianual (produzido de dois em dois anos), sobre Liberdade Religiosa no mundo, que ao longo de 50 páginas traça um quadro que podemos classificar de doloroso  e preocupante, mas que em muitas situações pode trazer mesmo o acréscimo de alarmante, pela multiplicidade de situações de agressão aos princípios da liberdade e da dignidade humana que encerra.

O Relatório é acompanhado por um mapa dos países em que a liberdade religiosa é posta em causa pelas leis e normas locais, e que se situam sobretudo na Ásia, na África e no Médio Oriente. Afirma o texto de apresentação que “O direito humano à liberdade de pensamento, de consciência e de religião é violado em cerca de um terço dos países do mundo, ou seja, em 61 das 196 nações”.

Acentua ainda: “Uma das constatações da leitura deste documento é que as minorias religiosas têm sido particularmente vulneráveis, enfrentando discriminação, perseguição e violência com pouca resposta da comunidade internacional. O silêncio cúmplice do mundo contribui muito para esta cultura de impunidade de regimes que por questões consideradas estrategicamente importantes para o Ocidente acabam por não ser objeto de sanções internacionais ou de quaisquer outras consequências pelas suas violações da liberdade religiosa”.

Esta é uma constatação especialmente digna de relevo: a liberdade religiosa não constitui um dado essencial na prática da defesa dos direitos humanos: há certamente outros centros dos interesses económicos ou políticos que motivam intervenções ideológicas ou de força mental ou militar.

Entre os países referenciados no texto de apresentação, assinado por Félix Lungu, do Departamento de Comunicação da AIS, encontram-se regiões tão distantes como a Nigéria (África), o Paquistão (Ásia) ou a Nicarágua (América Central), “onde se encontram níveis muito elevados de violações à liberdade religiosa”.

Violações da liberdade religiosa

A conclusão mais alarmante encontra-se logo na página 6, em que se afirma que “a liberdade religiosa foi violada em países onde vivem mais de 4,9 mil milhões de pessoas, isto é mais de metade da população mundial. Considerando 61 países onde se registaram violações da liberdade religiosa, são divididos em três grupos os categorias: a categoria vermelha, que denota a existência da perseguições, particularmente na África, incluindo 28 países; a categoria laranja, que inclui 33 países em que se registam discriminações no exercício da atividade religiosa;  e uma categoria assinalada “em observação” regista roturas evidentes do exercício da liberdade  religiosa. Em todas estas categorias se denotam crimes de ódio e mesmo crimes de atrocidade.

Entre as causas são assinaladas: a manutenção ou consolidação do poder nas mãos de autocratas e de grupos fundamentalistas; o exercício de uma “perseguição educada” que coincide por vezes com restrições da liberdade, o aumento da perseguição a comunidades religiosas maioritárias; uma cultura crescente de impunidade; as tendências divergentes no seio das comunidades muçulmanas; e impunidade por actos de violência, incluindo a violência sexual, que permanecem impunes.

Por outro lado, o relatório assinala o crescimento da participação em celebrações religiosas após o confinamento de Covid19 e o incremento das iniciativas de diálogo inter-religioso, como um Congresso realizado no Cazaquistão em 2022.

O relatório apresenta ainda vários “casos de estudo”, como o da morte na Nigéria de uma estudante por causa de uma mensagem através das redes sociais, ou a questão da “democracia falhada” assinalada na Nigéria (um dos países mais populosos da África, na região do Golfo), ou a existência de numerosos grupos de militantes islâmicos em ação nos países africanos.

São analisadas igualmente situações como a da Ásia continental, onde se registam restrições religiosas graves, como ocorre na China, ou o caso da Índia onde se desenvolve uma espécie de “nacionalismo religioso” de predominância hindu. Analisa-se também  a presença e o sentido do Budismo, um dos conjuntos de crenças mais antigos do mundo. Refere-se ainda a chamada “Ásia marítima”, com a Indonésia (“o maior país muçulmano do mundo” ) ou a Malásia, com os seus relacionamentos com a proximidade da Austrália, e com as Filipinas, país de maioria católica mas onde se denota algum extremismo islâmico.

O Médio Oriente e o Norte de África, de influência muçulmana, onde na maioria dos casos é religião oficial, têm-se registado alguns “sinais encorajadores” de abertura à liberdade de outras confissões.

Em países da Ásia central encontram-se também situações de falta de liberdade, por questões étnicas e religiosas, segundo diversas tendências de origem cultural.

A América Latina, sendo a zona do mundo de grande  influência cristã, regista também situações de conflito, particularmente na Venezuela, sendo que a Nicarágua constitui o caso mais grave de existência de intolerância.

Por outro lado, o relatório conclui com uma “Informação de fundo” que propõe  “um diálogo mais abrangente entre católicos e muçulmanos”, lembrando encontro de líderes religiosos no “Fórum do Barém para o diálogo” realizado em 4 de novembro de 2022, com a presença do papa Francisco.

Em resumo, este relatório constitui um motivo para associar a preocupação pela falta de liberdade religiosa ao apelo para que o seu espírito se fomente em todas as civilizações.

A liberdade religiosa é um caminho de convivência social e cultural da humanidade.