
Voz Portucalense publica Exortação Pastoral de D. Manuel Linda
Exortação Pastoral
A alegria que nasce do serviço
Aos fiéis que Deus ama e a quantos vivem na área desta Diocese do Porto, mas particularmente aos jovens,
a paz esteja convosco.
- Começamos este novo ano pastoral de 2023/24 com a memória viva e agradecida da extraordinária vivência da fé e da amizade global na recente Jornada Mundial da Juventude. Foi uma explosão de alegria e otimismo, um forte contrabalançar de algum esmorecimento que se estava a apoderar de determinados setores da Igreja. E o tema da alegria constitui também o núcleo central do nosso Plano Pastoral: “Vamos com alegria. Juntos por um caminho novo”.
Desejo, neste momento, relembrar a existência desse nosso Plano Pastoral, até porque não foi apresentado ao público, como era habitual, já que, em julho, todas as nossas energias iam para a preparação dos “Dias na Diocese” e da Jornada. Mas pretendo, também, lançar uma exortação para que não esmoreça a forte dinâmica pastoral e social gerada na JMJ. E que todos nos comprometamos em ações de voluntariado, fonte da verdadeira felicidade.
- A alegria não é produto comerciável. Pode ser favorecida artificialmente por eventos sociais ou substâncias psicotrópicas. Mas, no primeiro caso, dura somente enquanto decorre o contexto que a motiva e, na outra situação, é substituída imediatamente pela ressaca e pela náusea. E retira a liberdade pessoal ao criar o círculo vicioso da depressão/compensação/depressão.
A alegria ou se edifica a partir de resolutas coordenadas interiores, de uma escala de valores que se ousa seguir, ou não acontece. Coincide com o sentido que se dá à vida, no serviço solidário que se presta aos irmãos, na certeza de que «uma vida que não sabe servir, não serve para nada». S. Paulo atribui a Jesus uma frase que vai nesta direção: “Há maior alegria em dar do que em receber” (At 20, 35). E o Papa Francisco, no encontro com representantes de centros de assistência e caridade, em Lisboa, citou o nosso S. João de Deus que pedia esmola para os pobres usando sempre o mesmo estribilho: “Fazei bem, irmãos. Fazei bem a vós mesmos”. É que este ilustre alentejano experimentou pessoalmente que a ajuda redunda numa maior mais-valia para o dador do que para o recetor.
- Na atualidade, as mudanças sociais em ato parecem dificultar a solidariedade e as transformações culturais estão a criar um acentuado neo-individualismo. Hoje, o tradicional voluntariado e associativismo está em crise e há associações que desaparecem por falta de órgãos de direção: desde os clubes de futebol de aldeia aos ranchos folclóricos, grupos de teatro amador, etc.
Nesta linha, apelo a um rejuvenescimento da participação/voluntariado social. Precisamos de gente séria que se comprometa com as associações. São imensos os setores onde se pode colaborar para o bem comum: nos bombeiros voluntários, nas Ligas de Amigos ou voluntariado dos hospitais e prisões, na ajuda/animação sénior, nos grupos de intervenção ecológica, no apoio a peregrinos e migrantes, nas associações de desenvolvimento integrado, no compromisso com crianças e jovens vulneráveis, nas redes de apoio familiar, na ajuda a pais e familiares de pessoas portadoras de deficiência, na integração dos sem-abrigo, na ajuda a organizações que fornecem refeições gratuitas ou económicas, na colaboração com Unidades de Cuidados Continuados, nos centros de recuperação de comportamentos aditivos, integrando os tais grupos de animação sociocultural e desportiva, etc., etc.
- Para a fé católica, vida em Igreja deveria ser equivalente a participação ativa e voluntária no seio da comunidade crente. A Igreja é a pátria do voluntariado: que seria dela sem o enorme contributo, zeloso e gratuito, por exemplo, dos catequistas, responsáveis de altares, etc.? Ora, como só se sente como nosso aquilo a que nos dedicamos, apelo a uma maior colaboração na vida da Igreja. Não é só por necessidade: é-o por essência sinodal, pois o que é de todos diz respeito a todos.
A “fantasia da caridade”, ao fim e ao cabo o “Espírito de Conselho e Entendimento”, certamente nos sugerirá formas inovadoras de participação, sempre em diálogo com os Pastores e jamais contra eles. Mas há setores que são tradicionais e, ao mesmo tempo, indispensáveis para o futuro. Precisamos de os revitalizar com gente nova e decidida a dar tudo em prol do Reino. Refiro-me aos já acenados setores da catequese e animação juvenil, grupos corais, acólitos e leitores, divulgação das atividades pastorais por intermédio das páginas web e redes sociais, visitadores de velhinhos e sós, Conselhos Económicos e Pastorais, comissões de obras e recolhas de fundos, voluntariado nos Centros Sociais Paroquiais e organismos similares, rejuvenescimento do «associativismo» dos fiéis, habitualmente conhecido por “Movimentos e Obras”, centros de escuta e de diálogo, Cáritas, Vicentinos e outros angariadores de bens e sua distribuição pelos pobres, grupos de preparação e formação para os sacramentos, associações de apoio à vida, voluntariado para manter abertas as igrejas em segurança, «guias» para mostrarem aos turistas a beleza das nossas igrejas e eventual espólio museológico, voluntariado missionário de média e longa duração, gente que faça o acolhimento de quem se vem estabelecer na área da paróquia e dos fiéis que frequentam as Missas dominicais, visitadores de famílias enlutadas, etc., etc. Sem esquecer o compromisso vocacional no sacerdócio ou na vida religiosa e missionária.
- Caros fiéis em Cristo, no encontro com os jovens universitários, na Universidade Católica, o Papa Francisco voltou a desafiar-nos com mais uma das suas frequentes frases sintéticas, mas fortemente interpelativas: “Tende coragem de substituir os medos pelos sonhos. Não sejais administradores de medos, mas empreendedores de sonhos”.
É isso. Ser cristão é investir, comprometendo-se, em futuro, em sonhos. Não é entrar nele como quem não tem outro remédio senão deixar-se levar pelo tempo. Não. O cristão é o fermentador do futuro: é o que prepara a terra, lança a semente, cuida dela, recolhe o fruto e o distribui por todos. E realiza isto no esforço e na canseira. Mas sabe que é nesta que se gera a alegria. Aquela alegria íntima, garantida pelo Senhor Jesus: “O vosso coração se alegrará e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16, 23).
Feliz ano pastoral, vivido no compromisso sócio-eclesial e na consequente alegria!
O vosso irmão,
+ Manuel, Bispo do Porto