
Como Maria, mais de um milhão de jovens levantaram-se e partiram apressadamente. Para Lisboa rumo à Jornada Mundial da Juventude 2023. Da diocese do Porto foram mais de 12 mil peregrinos.
De 1 a 6 de agosto, Lisboa foi inundada por jovens católicos de todo mundo. A capital portuguesa passou a ser a “casa da fraternidade”, a “cidade dos sonhos”, numa enchente de gestos de serviço e hospitalidade. Foi uma semana de diversidade no encontro, vivendo a fé através de diferentes olhares e perspetivas.
Os transportes transbordavam de energia, canções e boa disposição. A zona de Belém transformou-se na Cidade da Alegria constituída por dois grandes centros: a Feira das Vocações – com 129 stands de várias congregações e movimentos cristãos -, e o Parque do Perdão – um espaço reservado ao sacramento da Reconciliação, com 150 confessionários construídos por reclusos portugueses como forma de reinserção na sociedade. Por toda a capital podia assistir-se a concertos, palestras e outras centenas de eventos preparados para o Festival da Juventude.
Nos primeiros dias da semana, à medida que a tarde ia chegando, o cenário repetia-se: como num carreiro interminável de formigas, a multidão aproximava-se do Parque Eduardo VII para assistir aos eventos principais. Enquanto se esperava pelo Papa nos eventos centrais, os peregrinos aproveitavam para trocar lembranças ou a ensinar a sua cultura uns aos outros. No chão da “Colina do Encontro”, um grupo de jovens portugueses explicava às francesas da frente o significado de “saudade”, do fado e do cante alentejano. Já o grupo ao lado trocava pins com 6 peregrinos vindos do Cambodja. “Arkoun”, agradeciam, ensinando um pouco da língua Khmer aos portugueses que os rodeavam. A cambojana Clara explica que não é fácil ser católica num país maioritariamente budista – “Às vezes sinto-me sozinha e por isso é muito bonito estar num evento como este e perceber que não sou a única a acreditar em Deus.”
Assim que o Papa passava, os peregrinos corriam para as grades que cercavam os corredores. Estas imagens, que ficaram certamente gravadas na memória de quem lá esteve, mostram bem a proximidade que o Santo Padre tem com os jovens.
Palavras que marcaram
Ao terceiro dia de Jornada, na estação de Belém, Harry e Lia, os dois únicos peregrinos vindos do Brunei, esperavam o comboio, provavelmente já cheio. Sobre as palavras do Papa na Festa de Acolhimento, o jovem julga que foi “uma mensagem de inclusão muito clara” – “Nós todos que aqui estamos somos de diferentes partes do mundo, mas todos partilhamos a mesma fé. Todos acreditamos e somos parte da mesma Igreja Católica Apostólica. Independentemente do nosso background, de quem quer que sejamos, estamos todos juntos a professar a mesma fé.”
Com mensagens simples e concretas, reduzidas ao essencial, mas sem perder a profundidade e dignidade que as celebrações mereciam, Francisco conseguia descer à realidade dos jovens de 2023, ao seu quotidiano, numa linguagem humana, tocando em pontos essenciais: a necessidade de inclusão, abertura e proximidade da Igreja, o amor ao próximo, a misericórdia e o perdão, a persistência e a esperança.
O padre Jorge Nunes, responsável pelo Secretariado Diocesano da Pastoral da Juventude no Porto, afirma que “as mensagens do Papa nos dias da JMJ, foram extremamente fortes e são propostas que levamos para o futuro”. Agora é tempo de “refletir, ‘mastigar’ todas as vivências de Lisboa” e perceber quais os frutos a colher desta Jornada.
Encontros Rise Up
De 2 a 4 de agosto, os dias começavam com as catequeses Rise Up, em igrejas ou noutros espaços próximos dos locais de acolhimento de peregrinos. Organizados por idiomas, para melhor organização, estes pequenos encontros matinais proporcionaram momentos de partilha excepcionais e comoventes entre peregrinos.
Acompanhando o caminho sinodal que a Igreja tem vindo a fazer, este novo modelo de catequeses da JMJ convida os jovens a refletir sobre grandes temas da Igreja e do Mundo lançados no pontificado do Papa Francisco, neste caso, Ecologia Integral, Amizade Social e Misericórdia
No Externato de S. José, no Restelo, estavam, entre outros, grupos das paróquias de Gulpilhares e de Cristo Rei, do Porto, que foram desafiados a construir uma casa com base nas partilhas sobre os temas propostos em cada um dos três dias. A base foi construída com reflexões sobre estilos de vida e ecologia, relacionando o tema com a doutrina da Igreja na encíclica Laudato Si. Já nas paredes da casa, erguidas no segundo dia, estavam pequenas frases de amigos que tinham incentivado a vinda dos peregrinos a Lisboa. Por fim, a construção do telhado baseou-se no momento de partilha sobre a força da misericórdia e do perdão de Deus na vida de cada um.
Uma Via Sacra jovem para jovens
Para o diretor do Secretariado da Pastoral Juvenil da diocese do Porto, “o ponto alto da Jornada Mundial da Juventude”, foi a Via Sacra de sexta feira, 4 de agosto, na Colina do Encontro (Parque Eduardo VII).
Retratando os seus medos, problemas e perturbações num mundo de incertezas e receios, esta Via Sacra parece ter correspondido à realidade dos jovens. Às 14 estações foram associadas 14 fragilidades identificadas pelos jovens, relacionando temas da sociedade atual com a Paixão de Cristo. Através de testemunhos reais e outras reflexões, abordaram-se temas como a saúde mental, dependências, intolerância e violência.
Perante a multidão que já atravessava 4 dias de Jornada, Francisco lembrou que, mesmo em tempos de cansaço, é importante olhar para o Crucificado e ver a beleza do amor que está em dar a vida por cada um de nós, apesar do sofrimento. Dando alento, o Papa apelou à coragem e audácia de cada jovem, pedindo para “não terem medo”.
O conceito surgiu da Companhia de Jesus e conseguiu aliar a profundidade da mensagem à beleza estética da arte. As opiniões de vários jovens parecem convergir na mesma ideia: foi solene, sem pesar, ao mesmo tempo que foi moderna, sem cair na vulgaridade.
Pela estrutura em andaimes do palco do Parque Eduardo VII, as atuações e coreografias do Ensemble 23 dançaram a beleza da fé. Rita Cavaco, de 18 anos, foi uma das que teve o privilégio de pisar o palco da Jornada Mundial da Juventude em todos os eventos centrais da semana, incluindo a Via Sacra.
“Foi mesmo incrível chegar e ver todas aquelas pessoas reunidas pelo mesmo motivo. Ver o Papa a entrar… não tenho outra palavra sem ser surreal.” – conta a jovem, emocionada, à Voz Portucalense. Rita fez audição em abril e rapidamente foi aceite no projeto que reúne cerca de 50 jovens artistas católicos de várias nacionalidades.
Ensaiaram durante seis semanas, muitas horas, quase todos os dias. Rita admite que foi cansativo, mas destaca a disponibilidade e simpatia de toda a equipa. Apesar de só ter participado como artista e não como peregrina, pela incompatibilidade dos ensaios, afirma que a experiência “esteve muito acima das expectativas”. “Vivemos a Jornada de uma forma diferente, mas penso que compensou muito”, diz a bailarina. Acrescenta ainda que o grupo do Ensemble rapidamente se tornou Família.
Fim de semana no Campo da Graça
Durante todo dia de sábado, 5 de agosto, o Parque Tejo viu chegar milhares de jovens de mochila e sacos-cama às costas para passar a noite em vigília no recinto.
Apesar do sol e do calor tórrido da capital, “a juventude do Papa” não desanimou. As horas de espera pelo líder da Igreja Católica deram lugar à criatividade e ao engenho para marcar lugar e criar o máximo de sombra com o que estivesse à mão – guarda-chuvas, lonas, mantas, colchões, sacos cama, etc… Mas acima de tudo, os peregrinos continuaram a aproveitar o tempo para fazer novas amizades – aprender a falar novas línguas com pessoas do outro lado do mundo, trocar lembranças, números de telemóvel e perfis de redes sociais, partilhar histórias, modos de rezar, criar memórias que certamente prevalecerão para sempre no coração de quem marcou presença nesta JMJ.
Ao fim da tarde, antes da entrada do Papa Francisco, chegaram ao Campo da Graça os símbolos da Jornada – a Cruz e o Ícone de Nossa Senhora Salus Populi Romani. Vindos de barco varino pelo Tejo e acompanhados por outras embarcações, estes eram os mesmos símbolos que, entre novembro de 2021 e julho de 2023, percorreram mais de 40.000 Km por Portugal inteiro, anunciando a Jornada Mundial da Juventude às 21 dioceses do país. No Porto, a cruz e o ícone mariano peregrinaram pelas 22 vigararias da diocese durante o mês de outubro do ano passado.
Ao pôr-do-sol, sob um céu alaranjado sem fim, Francisco chega, pela primeira vez, ao Parque Tejo, ao som do hino da Jornada Mundial da Juventude. A energia e alegria contagiantes dos jovens cantavam a uma só voz – todos estavam ali por uma só razão: pela fé e pelo amor a Deus que move milhões de crentes.
A primeira parte da Vigília juntou a arte à oração – através de testemunhos, de um espetáculo de drones e das coreografias interpretadas, mais uma vez, pelo Ensemble 23, os jovens peregrinos foram convidados a refletir sobre este “Encontro Transformador”, tema base de toda a celebração. Entre as várias atuações, os aplausos sucediam-se em cânone, numa verdadeira onda de ovações que percorria os vários quilómetros do Parque Tejo. Quer estivessem nos primeiros setores, em frente ao palco, ou do lado de lá do rio Trancão, a distância não importava. Do palco para Loures ou no sentido inverso, as palmas chegavam a todos e ecoavam num ambiente único.
No Campo da Graça, o Papa Francisco pediu aos jovens para serem e criarem “raízes de alegria” e que, ao olhar para elas, caminhassem “com esperança” e “sem medo”. Reforçou ainda a importância da persistência de uma caminhada, lembrando que “o único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo é para a ajudar a levantar”.
De súbito, a multidão que preenchia os vários quilómetros do Parque da Graça calou-se, num sinal de total respeito e entrega a Deus. Ao pé do rio, apenas os grilos se ouviam. Nas palavras do padre Jorge Nunes, “o momento de adoração ao Santíssimo foi extremamente arrebatador e colossal. Ver 1 milhão e meio de peregrinos em silêncio foi emocionante.”
Só as primeiras notas da fadista Carminho, a capella, conseguiram perfurar tal silêncio numa atuação que terminou e ‘coroou’ toda a celebração.
Pela noite fora, cada um escolhia o que fazer. Nos milhares de sacos-cama amontoados, que era quase impossível não pisar, alguns descansavam; outros preferiram aproveitar as últimas horas de Jornada em festa. Até aos primeiros raios de luz, muitos continuaram a tocar e a cantar músicas das suas origens, outros permaneceram em oração, dando graças por todas as vivências que Lisboa havia proporcionado.
Às primeiras horas da madrugada, o Sol, já quente, nasceu e pintou o céu para o último dia de JMJ; mas aquilo que parecia ser o início de uma manhã serena rapidamente contrastou com a energia da música do padre DJ Guilherme Peixoto que acordou todos os peregrinos, sem exceção.
Pela última vez, o céu do amanhecer e o entusiasmo dos jovens na manhã de domingo acolheram o líder da Igreja Católica. Durante a Homilia, o Sumo Pontífice pediu, mais uma vez, aos jovens para não terem medo e levarem para a sua vida quotidiana os ensinamentos que viveram durante a semana.
No final da celebração, Francisco convidou os jovens para o Jubileu do Ano Santo em 2025, em Roma, e anunciou o destino da próxima Jornada Mundial da Juventude: Seoul, a capital da Coreia do Sul, foi a cidade escolhida para receber os jovens católicos em 2027.
Que frutos colhemos desta Jornada?
É irrefutável que estes foram dias únicos e irrepetíveis com uma dimensão verdadeiramente surpreendente. No contexto concreto da diocese do Porto, o padre Jorge Nunes descreve a participação dos jovens da diocese como “um exemplo e um testemunho.” “Fizeram um caminho de preparação, estiveram empenhados e com a vontade de serem testemunhas vivas de Cristo Ressuscitado”.
“Agora é preciso refletir e ‘mastigar’ todas estas vivências em Lisboa… Ainda não tivemos muito tempo, mas pelo que me apercebi, os jovens vieram felicíssimos e animados para rejuvenescer. Penso que a diocese do Porto terá muito a ganhar com isso.” – diz, com esperança, o diretor do Secretariado Diocesano da Pastoral da Juventude.
Na Vigília com os jovens o Papa lembrava: “Temos que ter uma alegria que crie raízes.” Mas a questão que agora se impõe é: como a podemos tornar em árvores que dêem bom fruto? Como vamos agora regar esta experiência de encontro com Deus que foi a Jornada para que dê fruto? Em outras palavras, como pegar nesta semente de esperança e transformá-la numa Igreja de olhos erguidos para o futuro e que caminhe ao mesmo passo que a sociedade e que os jovens?
Sobre o trabalho do Secretariado Juvenil da diocese, o que se pode esperar, segundo o Padre Jorge Nunes, “é uma continuação daquilo que se viveu na JMJ”. “Vamos continuar a ajudar os jovens da diocese do Porto a prepararem-se para as próximas Jornadas. Temos também que perceber quais os frutos que vamos colhendo; o que os jovens têm para oferecer à igreja do Porto é uma mais-valia.” – explica o pároco.
A intenção do Secretariado é reformular o conteúdo das atividades que têm vindo a desenvolver nos últimos anos à luz daquilo que se viveu na Jornada de Lisboa. “Temos também o grande desafio que D. Manuel nos deixou – fazer o sínodo da Juventude – esse é o grande desafio que recebemos em mãos, que o D. Manuel coloca na juventude do Porto e, mais concretamente, no Secretariado.”, diz Jorge Nunes.
Já o bispo do Porto não tem dúvidas que “Deus conta connosco para metermos mãos à obra de edificarmos um empreendimento memorável: uma Igreja renovada, […] mais alegre e mais sinodal, uma comunidade crente que seja, efetivamente, marca e sinal da morada de Deus no meio da família humana. D. Manuel Linda pede “o contributo, o compromisso efetivo e a riqueza de sugestões e ideias de todos” para que, a partir de setembro se possa “ dar seguimento à onda de entusiasmo, dinamismo evangelizador e vivência espiritual”.
No seu último encontro com os voluntários, o Papa Francisco disse-lhes: “partis daqui com o que Deus semeou no coração, fazei-o crescer, guardai-o com diligência”. Caberá agora aos jovens fazer das suas palavras ações, mostrando a surpresa do encontro que foi a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. “Aos jovens pertence o presente e o futuro”; são símbolo da mudança e da esperança, são o garante da transformação e mostraram uma fé praticada, viva e com pernas para andar.
A Igreja está viva!
LC