O Cinema visto pela Teologia (77): “Indiana Jones e o Marcador do Destino”

Uma leitura do filme “Indiana Jones e o Marcador do Destino*

Por Alexandre Freire Duarte

“Indiana Jones e o Marcador do Destino” é um filme de ação e ficção histórica razoável. Não é um tesouro verdadeiro como as obras de há 40 anos, mas também não é uma falsificação para quem as conhece; não dirá muito a quem não cresceu a vê-las, mas luta por ser fresca. “Indy” envelheceu e, afora um genial (mas às tantas fastidioso) “rejuvenescimento”, mostra-se isso sem vergonha alguma. Ford mantém o seu carisma intacto e Mikkelsen exprime magnificamente o orgulho narcisista, porém Waller-Bridge (mais “woke” e chata do que charmosa) parece perdida e cansa mais do que entretém. As demais figuras são mero cenário na trama, dispostas sem sentido ou ordem que atraia.

Sim: é um portento ouvir de novo a música de “Indiana Jones”, mas quase tudo se resume a uma soma de questões acerca da “terceira idade” e de “despedidas”. Se já havia “problemas” vindos dos filmes anteriores, mais se criaram, mormente com uma história complexa (absurda? confusa?) e com um final anticlimático que mereceria uma melhor edição, para não se pensar ter visto um mero “Indiana Jones e a Busca por mais Pilim”.

Algumas notas teológicas: é possível que acabemos a viver mais do que fizemos, do que num presente ativo na contemplação. Isto gera um saudosismo carregado de angústia, em vez de uma existência cheia de valor em conexão com Deus, os demais e o restante da própria Criação. Mas, nesta obra e mesmo no meio de tal caldo claramente relacionado com o precioso dom do “tempo” cronológico (a oscilar entre os segundos e a eternidade), surgem belas lições sobre o que é deveras intemporal: a amizade, a interajuda, a perseverança, o matrimónio, o amor, a criatividade, a alegria e o perdão.

Não se trata de quebrar o rosto do passado, mas, com uma fé que não pode ser relativista, de vivê-lo de frente, ao mesmo tempo que andamos em sentido oposto (evitando “déjà-vu”). Só assim poderá haver uma sã aceitação espiritual de que existem realidades que nunca conheceremos, mormente sobre nós. Estão feitas; foram-nos feitas. É tempo de deixar de idolatrizar o passado (de glória ou de amargura) e passar a abraçar os demais com gestos que alentem pela vida que trazem na doce ternura do amor gratuito de Deus. Assim, eles verão que vale a pena lutar pelo bem, mesmo quando a força falha.

O amor é o mais raro e valioso tesouro, mas apenas se, por inação, não o cindirmos da verdade. Ele trará, então, sabor e santidade a um mundo assaz carente de genuínos apoios. Carente daquele saber e daquela sabedoria que provêm, não da ciência carente de ética, não do poder dos novos Longinos, não da riqueza espoliada, mas de uma decidida relação de amor naquela alegria espiritual sem a qual não podemos viver na Luz. Não só a que transfigura o Mundo, mas a que também o faz aos nossos corações, ao mesmo tempo que liberta o nosso espírito para vivermos cada instante a “bater à porta” de Deus.

Que especial que é estar livre, não de si, mas de si mesmo (o problema é o mesmo, quase sinónimo de “ego”). Nunca sentiremos estar a perder valor, antes a adquirir ocasiões para estendermos o nosso coração aos demais, sobretudo àqueles que, como ao Senhor, nos feriram inclusive quando nos amavam. Não adiemos confrontarmo-nos com a nossa mortalidade, falhas e logros. Mas não o façamos segundo a lógica do mundano, antes de acordo com a de Deus, sabendo que Ele nunca dissipará nada no Seu respeito pelo espaço régio da nossa fé. Aquela que só Ele conhece no rio sem leito do Seu perdão.

(* EUA, 2023; dirigido por James Mangold; com Harrison Ford, Phoebe Waller-Bridge, Mads Mikkelsen, Antonio Banderas, John Rhys-Davies e Toby Jones)