Por M. Correia Fernandes
Em escrito de 2015 lembrávamos que o mundo de hoje é mundo de materialidades e da realidade virtual. Basta observarmos como cada vez se depende mais de imagens, de mensagens, de jogos de vídeo, da busca da suposta influência dos astros, dos modelos sociais transformados em modelos culturais. As nossas crianças e adolescentes vivem universos mentais de alienação. Nem sequer nos damos explicitamente conta de que grande parte das imagens que observamos na rapidez das pesquisas nos instrumentos audiovisuais são imagens fabricadas ou modificadas, portanto geradoras de falsidade.
No entanto, há na sociedade movimentos e propostas reveladoras de que a condição humana busca algo de dimensões espirituais no concreto da vida. Lembrava-se uma investigação conduzida pela Universidade de Estrasburgo que mostrava que a inquietação espiritual e religiosa se manifestava em mais de metade da população de um país que nas suas estruturas sociais é laico e que oficialmente cultiva a laicidade, procurando mesmo retirar das linguagens oficiais as referências ao elemento religioso, movimento que tem expressão na tentativa de eliminar as referência a figuras da santos da nomenclatura das cidades ou instituições, como se sente acontecer já entre nós.
No entanto, nessa como em outras sondagens de opinião, a maioria declarava-se “com religião” e a afirmação da tradição cristã e católica continuava a revelar-se influente nas estruturas mentais dos inquiridos.
Mais recentemente, entre nós, um estudo da Universidade Católica, realizado através do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, revelava também que 56% dos jovens entre os 14 e os 30 anos declararam serem religiosos, embora apenas cerca de um terço se consideravam praticantes. (A referência ao estudo pode ser consultada em www.ucp.pt).
Nota-se por outro lado uma procura de realidades espirituais vivenciadas no quotidiano, de que sobressaem o desejo de se sentir ligado a uma comunidade em que se partilhem experiências espirituais, a vontade de procurar benefício positivo para a vida pessoal e familiar, uma melhor aceitação de si próprio, o encontrar o equilíbrio e paz interior, o sentir-se mais irmanado com a natureza (é interessante como esta presença da natureza se alia ao propósito de estar à escuta do espiritual e do divino), um distanciamento em relação à vulgaridade da vida quotidiana, o buscar a libertação de um problema, a cura de algum mal físico ou espiritual. Parece poder encontrar-se em formulações como esta um eco das narrativas evangélicas como “a tua fé te salvou”, de encontrar na superação dos males a luz que ilumina e salva. Ou a formulação da parábola que conclui “então os justos resplandecerão como o sol, no reino do Pai” (Mateus, 13,43).
Uma definição bem conseguida desta dimensão humana da espiritualidade traduz-se na afirmação “transformar-se a si mesmo para viver melhor com os outros”, o que revela que as pessoas se encontram na procura do diálogo e da partilha de afetos e de tarefas comuns, traduzindo ao mesmo tempo duas dimensões paralelas do eu: a abertura e a convergência.
São muitos os caminhos que se procuram, que vão da prática do ioga à leitura da Bíblia, passando por processos e métodos de autoconhecimento, que podem ajudar a descobrir a personalidade pessoal e novos caminhos da vivência espiritual.
Em muitas propostas vulgares, as pessoas são levadas não a estar fora do mundo real, o que seria a alienação; mas encontramos propostas de inserir-se na modernidade da vida, a dar-lhe sentido. Não significa fugir das realidades ou das responsabilidades como quem faz “zapping” sobre os problemas, mas procurar refleti-los para depois mergulhar neles com mais enriquecimento e força. Não se trará da busca de um sincretismo inconsequente, mas de um enriquecimento interior que dará sentido à presença e à ação na condição humana.
Esta Jornada Mundial da Juventude pode tronar-se para a sociedade um sinal e um estímulo para esta vivência da espiritualidade e de busca de sentido, que é bem visível no entusiasmo com que tanta gente a vai assumindo.
Temos que aprender a ver e interpretar os sinais: os sinais dos tempos não são apenas os fenómenos da natureza, mas essencialmente os que movem a consciência individual e colectiva.