
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Como aqui se referiu, várias dioceses, conferências episcopais e até assembleias continentais colocaram o tema da «inculturação» na agenda da XVI Assembleia Geral ordinária do Sínodo dos Bispos. Diga-se, desde já, que são tantas e tais as questões elencadas no IL, recentemente publicado, que nem sequer é imaginável que todas possam ter resposta adequada nesta assembleia, mesmo com o anunciado prolongamento para outubro de 2024. Não há tempo para o indispensável processo de escuta e discernimento. Seria necessário um novo Concílio Ecuménico. Mas os tempos ainda são os da receção do II Concílio do Vaticano, processo largamente inacabado. Se este Sínodo 2021-2024, que agora entra na sua etapa universal, nos clarificar ao menos o «método» para esse indispensável discernimento do que o Espírito está a dizer às Igrejas, já teremos que dar muitas graças a Deus.
Terá a temática da inculturação litúrgica suficiente caminho feito para ser abordada de forma expressa na próxima Assembleia Geral do Sínodo? O tempo o dirá. Entretanto, por amor à clareza, importa clarificarmos as terminologias em uso.
1) Adaptação:
Os Preliminares e Instruções gerais dos novos livros litúrgicos em português usam profusamente esta palavra que, porém, traduz duas palavras latinas diferentes: accomodatio e aptatio.
As accomodationes são adaptações já previstas nos livros litúrgicos editados nas diversas línguas a partir das edições típicas latinas e confiadas ao discernimento e diligência dos ministros, tendo em conta as circunstâncias particulares de cada celebração. Pensemos nas admonições previstas nos diferentes ritos mas que as rubricas permitem que se façam his vel similibus verbis (com estas ou outras palavras semelhantes), nas correções em género e/ou número em congruência com a realidade celebrativa, na escolha de formas alternativas para o mesmo rito (por exemplo, o ato penitencial da Missa, cânticos para os diferentes momentos da celebração, prefácio e orações eucarísticas variados, etc.). Os celebrantes, presidente e ministros, não são meros executantes de um guião imutável mas precisam sempre de preparar a celebração e de se prepararem para ela. É a própria obediência às normas litúrgicas que o exige. Se este primeiro patamar das adaptações fosse devidamente conhecido e respeitado teríamos celebrações mais pertinentes e menos rotineiras, pastoralmente mais eficazes e promotoras de uma autêntica participação. Cessariam então as invenções pseudo-criativas que lesam o direito dos fiéis, são alheias ao espírito da liturgia, desconsideram o valor da unidade e chegam, por vezes a comprometer a verdade dos ritos. Para tal, requer-se mais e melhor formação litúrgica, a começar pelo clero.
As adaptações (aptationes) propriamente ditas são da responsabilidade das Conferências Episcopais e são exercidas por estas ao aprovarem as respetivas edições dos livros litúrgicos dentro das balizas estabelecidas nas edições típicas (latinas) dos mesmos. Demos um exemplo, entre muitos possíveis: a celebração do matrimónio. As Conferências episcopais podem elaborar um rito próprio, atendendo aos legítimos e honestos usos sociais e culturais de cada povo, respeitando sempre algumas condições insuperáveis: a) Que os usos e costumes a integrar no rito do sacramento não estejam indissoluvelmente vinculados a erros e superstições e estejam de acordo com o espírito da liturgia; b) que o oficiante peça e receba o consentimento livre dos nubentes e lhes dê a bênção nupcial… Lendo os capítulos dos Preliminares dos Rituais ou das Instruções Gerais que preveem as adaptações que competem às Conferências Episcopais e folheando os livros litúrgicos impressos forçoso é reconhecer que se trata de um elenco extenso de possibilidades de «adaptação» não aproveitadas. Não se pode culpar apenas o centralismo romano. A «descentralização» dá muita canseira! E ainda não estamos a falar, propriamente, de «inculturação».
2) Inculturação:
O II Concílio do Vaticano ainda usava o termo «aptatio», derivado da linguagem missionária. Mas São João Paulo II, desde a encíclica Slavorum Apostoli (1985) e Redemptoris missio (1990) usa abertamente o termo «inculturação» para designar um processo mais complexo e profundo, na linha do próprio mistério da encarnação. De facto, parecia a muitos que a «adaptação» é algo de superficial e pontual. Na inculturação está em causa o processo de encarnação do Evangelho nas diferentes culturas e, ao mesmo tempo, de inclusão dos diferentes povos com as respetivas culturas na comunidade eclesial. É disto que agora se pretende tratar no Sínodo e isto tem muito que se lhe diga! Em 25 de janeiro de 1994, a então Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos dedicou a este tema a sua «quarta instrução para a correta aplicação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia», Varietates Legitimae. Voltaremos aqui.