
Por Jorge Teixeira da Cunha
Um estudo recente mostra que mais de metade dos jovens portugueses se declaram religiosos e, desses, a grande maioria afirma-se católica. Segundo o mesmo estudo, pode concluir-se que a fé religiosa tem influência nos critérios de valor, nas preocupações com o futuro, com a procura da felicidade. Segundo esse estudo de opinião “Jovens, Fé e Futuro”, realizado por um serviço da Universidade Católica Portuguesa, os jovens assinalam que os seus critérios de valor assentam no respeito, na liberdade, na honestidade. Mostram-se menos interessados no ativismo do que no voluntariado e dão um grande valor à vivência orante. A realização deste estudo pretende conhecer os jovens de hoje, sobretudo os jovens portugueses que o Papa Francisco vai encontrar nas próximas semanas. A guerra, as alterações climáticas, a discriminação, o futuro do trabalho como realização pessoal constituam preocupações maiores dos jovens de hoje. Muitos dos que responderam gostam de conhecer outras confissões religiões e alguns afirmam até participar noutras formas de culto.
Um documento como este tem um valor, mas é necessário avaliá-lo com o olhar da teologia e é nesse sentido que vamos fazer algumas observações.
Há quase meio século o historiador Jean Delumeau escreveu um livro com o título provocador, em forma de pergunta: o cristianismo vai morrer? O respeitado intelectual católico e profundo crente defendia a ideia de que o cristianismo, enquanto realização cultural como o conhecemos, está em profunda transformação e pode mesmo vir a morrer tal como o conhecemos. Claro que ele não queria anunciar o fim da fé em Jesus Cristo, na qual, de resto, morreu piamente e pacificamente. O que queria dizer é que aa práticas culturais, as ideias, as hierarquias de valor não são eternas e que a fé cristã pode conviver com novas formas de incarnação histórica. Assim aconteceu no passado, sendo que o cristianismo antigo não foi igual ao medieval nem ao moderno. E nesse sentido que podemos perguntar o que está a acontecer no tempo em que vivemos. É que, mesmo que afirmem continuar em grande medida crentes, os nossos jovens urbanos e não só, mantêm uma espiritualidade aberta ao divino, gostam de celebrar, mas vão dando sinais evidentes de que o seu mundo religioso é diferente do passado.
Temos, pois de estar atentos ao que morre e ao que não morre do cristianismo, tal como o temos hoje.
Num certo sentido é-nos permitido afirmar que o cristianismo é o porvir de toda a realidade e que sem fé não há futuro. Mas é necessário ter em conta que apenas podemos validar a nossa afirmação de estivermos imbuídos da proximidade entre Deus e a vida, segundo a profunda visão da teologia joânica. Por isso, a religião sem a qual não há porvir é a que se centra na experiência da fé e a que coincide com a experiência da vida celebrada. Esta aproximação entre fé e vida terá de ser o centro da nova evangelização. Claro que é necessário pensar de novo a teologia e a sua tradição, de forma a fazer dela a metáfora viva do frente a frente com Deus, segundo a vivência de Jesus. Haverá aqui um grande trabalho para as nossas faculdades de teologia que se encontram em declínio acentuado e com pouca vitalidade. Nem o realismo do passado medieval, nem a metafísica idealista moderna nos servem para esta abertura do horizonte da vida absoluta que aos homens faz humanos, justifica os outros viventes e dá sentido ao cosmos.
Esta via de uma nova forma de cristianismo não será um regresso ao passado da administração religiosa, da moral codificada, da organização clerical. Será uma nova pastoral que assinala as fontes da vida e conduz até elas. Será uma nova racionalidade que responde às preocupações dos jovens com o futuro das condições para o melhoramento da vida dos viventes. Será uma nova ética que dá entrada na felicidade real e livra do medo apocalíptico que perturba tantas mentes de hoje.