O Cinema visto pela Teologia (76): “Asteroid City”

Uma leitura do filme “Asteroid City*

Por Alexandre Freire Duarte

Ver os filmes de Wes Anderson é como recordar as intervenções dos Secretários Gerais do PCP: cassete única. “Asteroid City”, apesar de mais pomposo, não é diferente. É mais uma ocasião para juntar uma multidão de atores e atrizes célebres, num sítio agradável para passar férias, mexer, agitar et voilá: um filme que nos põe a pensar, devido às suas: incongruências de base e “bonecas russas” de topo (coladas à pressa para dar-lhe um ar de “meta-narrativa”). Há loucura na arte, mas com este filme quiçá estejamos ante a arte da loucura: sem contacto com as emoções das personagens, tudo o resto desaba num louvor do estilo linear, surreal, rígido e seco desta comédia dramática.

As personagens, essas, são fantásticas, embora geralmente subaproveitadas; as saturadas cores em tons pastel alinham-se, num cenário cheio de detalhes como num quase-diorama, com o tentar mostrar, infelizmente autocentrado, como seriam os artistas a tentarem sê-lo; a fotografia é um rasco có(s)mico, mas o filme retro-futurista enfada.

Perante o dito anteriormente, eu, como teólogo, nem sei bem sobre o que é que trata o filme. Mas é provável que não esteja longe da verdade se disser que é sobre, justamente, o enfado e a angústia da vida ante um Universo indiferente ao que vivemos. A perda, assim, é um subtema que, embora aflorando distintas vezes, encaixa de esguelha num somatório de problemas bem reais que, na visão de Wes Anderson, só têm duas soluções: a entrega a alguma atividade (seja esta a arte – foco primário do Diretor – ou o descascar batatas – foco primário de milhões de pessoas pelo mundo fora –) quase pelo deleite de se poder mostrar ser excelente nisso; ou, então e quão mais velho se for, o viver aparvalhadamente embasbacado por algo que os astros nos possam dizer ou dar.

Pena, pois, que o real, por mais doloroso que possa ser, se dissolva, nesta obra, na ilusão e não permita que se veja, como igualmente mostra o filme (quiçá distraidamente), que tudo o que precisamos está mesmo diante de nós: o amor (que se o podemos comunicar a alguém, é apenas porque Deus no-lo deu previamente). Sem este amor, poderemos sentir-nos perdidos como personagens mal gizadas num vazio quase mortal e tender a viver no diafragma que separa a realidade objetiva (na qual cada vez mais gente não acredita) e uma autofantasia fabricada para se reler, em auto-vitimização, a vida e, assim, tentar sublimar inconsciente e ineficazmente os dramas convertidos em tragédias.

Sim: todos temos a ânsia de encontrar o nosso lugar num mundo que é demasiado intrincado para o podermos apreender. Mas esse lugar é algo que não podemos fabricar, antes co(m)-construir em relações de amor com Deus e com os demais. Eis como lograremos, sem urgências ou agonias, encontrá-lo. Deveras, somos sempre, não um mero grão de poeira num vazio sideral, mas pessoas amadas nas mãos de Deus-Amor. Pessoas que, se encontrando na periferia do interior do Centro que é Jesus, se podem interiorizar e assemelhar a Este tanto quanto n’Ele creiam e vivam em resultado disso.

Não admira que, com tantos adultos a se sentirem errantes por viverem na natureza (e não na Criação de Deus), sejam as crianças aquelas a quem nos devemos assemelhar para entrarmos no Reino. Só elas, como neste filme, veem no desconhecido do amor, não uma pena, mas um virar de página para a Alegria que nos orbita e atrai com humildade.

(* EUA, 2023; dirigido por Wes Anderson; com Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Jeffrey Wright e Tilda Swinton)