O Cinema visto pela Teologia (75): “A Oeste nada de novo”

Uma leitura do filme A Oeste nada de novo” *

Por Alexandre Freire Duarte

Impedido de ir ao cinema, surge a ocasião de rematar a trilogia dos filmes que neste ano de 2023 ganharam mais do que um Óscar: “Tudo em todo o Lado ao mesmo Tempo” [n.º 50 desta rúbrica], “A baleia” [n.º 64] e, agora “A Oeste nada de novo”. Este último trata-se – mais ainda devido ao seu artístico realismo atroz (a que não escapa o mostrar a natureza no seu curso impávido) – de um penosamente depressivo e brutalmente horrífico retrato épico do sem-sentido da guerra e da vida humana entregue à mesma e, pior, à iniquidade despótica dos líderes invisíveis, insensíveis e inábeis.

Mesmo numa TV, a coreografia dos movimentos bélicos (e não só) que nos fazem sentir ao nível das personagens; a música perturbadora que vai silenciosamente e vem bombasticamente ao ritmo da ação; a maquilhagem e o guarda-roupa é do melhor que já vi; o trio principal de personagens, com movimentos impressivos de câmara que mostram as suas emoções exteriores e interiores, morre e vive numa empatia connosco que fere (no bom sentido desta palavra); a edição, com cortes precisos entre os campos de morte e o fausto dos decisores, é irrepreensível; enfim, a direção é exemplar na mistura da dor e devastação do inferno na terra com a beleza e o assombro artístico.

Amo e desejo ardentemente a paz, mas entendo quem não seja pacifista e prefira fazer o bem enfrentando os males com convicção a entregar-se a apatias e acordos aviltantes e possivelmente letais. Dito isto, creio que este filme, do ponto de vista teológico, elevará esta última posição a um patamar de hesitação tremenda. A guerra é brutal, monstruosa e desumanizadora, por mais que nela se possa encontrar valores cristãos (a ajuda desapegada – outro nome para o amor –, o autossacrifício, a humildade e a fraternidade impensável noutras circunstâncias) e meios de re-humanização. Mas ainda creio que, embora invisível, a maior batalha que todos temos que realizar é, na graça, contra o nosso “ego” e, sem ferir o “eu” genuíno dos demais, o “ego” destoutros.

Sem passos bem seguros neste caminho, seremos sempre marionetas; seremos sempre “apenas” e jamais “nunca só apenas”; “nunca só o que já somos”, senão mesmo “nunca só aquilo a que nos desejam reduzir”. Não há roupa que valha mais do que nós; não há apreço humano que valha mais do que uma consciência serena em Deus. Fora disto, qualquer odor a Glória (em Cristo) será oculto pela pestilência daquela falta de compaixão que faz a fé esmorecer ao lado da aflição desesperada que esgravata o chão.

À falta de tal mencionado combate íntimo, as guerras cruentas, os conflitos ignóbeis entre pessoas pequeninas que matam gerações – seja pelos combates; seja pelo que de lá trazem; seja pelo que lá deixaram (e o meu pai é veterano de Guerra sem nunca o Estado o ter auxiliado) – destroem, tal como opera subtilmente o “ego”, a nossa capacidade de entrever o futuro entre o morrer, o sobreviver e o Sobre-viver no Senhor.

Sim: A Oeste nada de novo” é sobretudo uma obra, talvez não intencional, sobre o enfurecido e enfurecedor pecado humano, tantas vezes travestido de valores humanistas ateus. Esse pecado que, se foi vencido, sem violência alguma, por Jesus, precisa que retiremos os seus escombros da nossa alma. Nós, com ou sem borboletas, não iremos escapar à morte biológica. Mas à morte espiritual, “basta” tal pugna.

(*Alemanha, EUA, Reino Unido, 2022; dirigido por Edward Berger; com Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Aaron Hilmer, Daniel Brühl e Thibault de Montalembert)