Para a nova fase do processo sinodal, o Instrumentum Laboris apresenta mais de 250 questões sobre amplas temáticas das quais se destacam a necessidade da reflexão sobre o exercício da autoridade e do ministério episcopal, a preocupação com o acolhimento feito nas comunidades e ainda o papel e a presença das mulheres na tomada de decisões
Por Rui Saraiva
O Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo, Documento de Trabalho apresentado no passado dia 20 de junho, “foi elaborado com base em todo o material recolhido durante a fase de escuta” do processo sinodal que teve início em outubro de 2021. “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema do Sínodo.
Refletir da autoridade à tomada de decisões
A fase de escuta das comunidades foi um tempo percorrido primeiramente na consulta nas dioceses de todo o mundo entre 2021 e 2022 e, mais tarde, nas assembleias sinodais continentais que tiveram lugar no início do ano 2023.
Este Documento de Trabalho “encerra a primeira fase do Sínodo” e apresenta mais de 250 perguntas aos participantes. O processo sinodal entra agora na sua segunda fase que terá lugar em Roma organizada em duas sessões: uma primeira em outubro próximo e uma segunda daí a um ano em 2024.
Para esta nova fase o IL apresenta mais de 250 questões aos participantes sobre amplas temáticas das quais se destacam a necessidade da reflexão sobre o exercício da autoridade e do ministério episcopal, a preocupação com o acolhimento nas comunidades e ainda o papel e a presença das mulheres na tomada de decisões.
Recordamos que em abril passado a Secretaria Geral do Sínodo anunciou que seriam “acrescentados mais de 70 membros não-bispos” ao elenco dos participantes na XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos. Essas pessoas serão identificadas pelas igrejas locais e a Santa Sé solicita que dessas “50% sejam mulheres e que a presença de jovens seja também valorizada”.
No caminho percorrido identificar prioridades
O Documento de trabalho agora apresentado divide-se em duas secções, “que correspondem à articulação das tarefas das Assembleias continentais” que decorreram entre janeiro e março deste ano.
Assim, numa primeira parte procede “a uma releitura do caminho percorrido durante a primeira fase, a fim de identificar o que a Igreja de cada continente aprendeu com a experiência sobre a maneira de viver a dimensão sinodal ao serviço da missão”,
Na segunda parte, o Documento procura “discernir as ressonâncias produzidas nas Igrejas locais” para que seja possível “identificar as prioridades sobre as quais continuar o discernimento durante a Assembleia Sinodal”.
“As perguntas que o IL apresenta são uma expressão da riqueza do processo do qual foram extraídas: elas trazem a marca dos nomes e rostos particulares daqueles que participaram e testemunham a experiência de fé do Povo de Deus, revelando assim a realidade de uma experiência transcendente”, pode-se ler no documento.
O Documento refere “a igreja local como sendo um ponto de referência privilegiado” onde “os batizados experimentam, em termos práticos, o caminhar juntos”.
O perigo de uma Igreja clerical
A este propósito, vale a pena recordar a síntese diocesana do Porto que foi publicada em junho de 2022. Um documento produzido pela Comissão Sinodal Diocesana do Porto que deu expressão às respostas de 194 paróquias das 477 da diocese. Incluiu também na sua redação 30 contributos de comunidades de vida consagrada, de movimentos e outros grupos.
Todos tentaram refletir sobre como se realiza hoje o caminho em conjunto (sinodal) nas paróquias, nas comunidades e na diocese. A Santa Sé pedia também que fossem assinalados os passos que o Espírito nos convida a dar para crescer no caminhar juntos.
Este documento assinala que na Igreja há “uma atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente e resistente à mudança”. “O clericalismo de padres, diáconos e leigos é um obstáculo à escuta e à mudança”, pode-se ler na síntese diocesana.
O documento afirma ainda que a Igreja se protege “a si mesma antes de proteger a comunidade de fiéis”. Neste particular cita o que aconteceu no caso dos escândalos de abusos sexuais na Igreja.
“A Igreja não assume práticas frequentes e efetivas de sinodalidade, de tomada de decisões de forma partilhada e discernimento comunitário”, refere a síntese diocesana do Porto para o Sínodo.
Não obstante, esta visão clerical da Igreja, as pessoas que participaram nesta consulta afirmaram que “a igreja continua a dar sentido à vida de muitos fiéis, que têm na sua fé o pilar para suportar as adversidades da sua vida, que reconhecem que esta tem um papel fundamental na transmissão de um conjunto de valores humanos que são essenciais à vida em comunidade”.
A Igreja é apresentada como “substrato para o crescimento na fé, estruturante na transmissão de valores” sendo espaço de solidariedade e caridade. “Num mundo no qual prevalece o individualismo, quem pertence à Igreja tem sempre um sítio ao qual pode voltar, um reduto de espiritualidade num mundo em que muitos recusam a transcendência”, lê-se no documento.
Nos aspetos positivos da Igreja identificados pela síntese estão a sua “crescente abertura para ajudar e ouvir todos, independentemente da raça e religião”. Também são referidos “o cuidado com o próximo, o acolhimento aos outros, a valorização do conceito de Casa Comum, a riqueza presente na diversidade de modos de expressar a fé, o serviço como estilo de vida e a partilha”. Tudo isto são “marcas referenciais do ser Igreja de Jesus Cristo”.
Abertura e processo sinodal
Na síntese diocesana do Porto é referido que “um número significativo de pessoas” revelou o seu agrado “com a abertura que a Igreja demonstrou com este Sínodo, com esta consulta ao Povo de Deus” e com o “querer escutar”. “As pessoas sentiram-se ouvidas pela Igreja o que foi tido como um dos pontos mais positivos deste ‘caminhar juntos’, lê-se no documento.
No âmbito desta consulta decorreu no Porto na Casa de Vilar, a 14 de maio de 2022, uma grande Assembleia Diocesana Pré-Sinodal e a ideia geral que se pode registar deste encontro, a partir dos testemunhos partilhados, foi uma concreta vontade de continuar o processo sinodal.
Esta foi uma iniciativa organizada pela Comissão Sinodal Diocesana do Porto, com o objetivo de dar voz às pessoas que participaram nos encontros sinodais e outras formas de participação.
“O processo só agora começou”, ouviu-se na sala durante uma das intervenções. Esta assembleia contou com a presença do bispo do Porto, D. Manuel Linda, e nela estiveram presentes mais de duas centenas de diocesanos, representantes de paróquias, de congregações, grupos e movimentos que participaram ativamente na consulta sinodal diocesana.
O Documento de trabalho agora apresentado pela Secretaria Geral do Sínodo para a primeira sessão de outubro 2023, assinala, logo no início do seu texto, que “o objetivo do processo sinodal não é produzir documentos, mas abrir horizontes de esperança para o cumprimento da missão da Igreja”.