Tempo Comum: Tempo principal

Foto: Rui Saraiva

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Na passada segunda-feira, após o domingo de Pentecostes, retomamos o chamado Tempo Comum, na sua oitava semana. Segundo o n. 44 das Normas Gerais que regem o Ano Litúrgico e o Calendário, «o Tempo Comum começa na segunda-feira a seguir ao domingo que ocorre depois do dia 6 de Janeiro e prolonga-se até à terça-feira antes da Quaresma inclusive; retoma-se na segunda-feira a seguir ao Domingo do Pentecostes e termina antes das Vésperas I do Domingo I do Advento». Consta, portanto, de dois períodos, intercalados por 14 semanas dedicadas ao ciclo Quaresma-Páscoa-Tempo Pascal: no presente ano de 2023, o primeiro período teve a duração de 42 dias (interrompeu-se na semana VII); o segundo terá 187 dias (da semana VIII à XXIV). No total, serão 229 dias em 365 (62,74%). Bastam estes dados quantitativos para se concluir da importância deste tempo litúrgico.

Pode ser esclarecedor partir da designação que lhe é dada: em latim é o tempo «per annum» e, efetivamente, preenche a maior parte do ano começando em janeiro, sendo interrompido pelo ciclo pascal (15 domingos), para prosseguir durante mais de 6 meses, até ao advento do ano seguinte.

Na maior parte das línguas modernas (inglês, francês, castelhano, italiano…) «per annum» foi traduzido por «ordinário». Estas versões valorizam o contraste entre o «tempo extraordinário» – assim se consideram os tempos litúrgicos «especiais» (ciclo Advento-Natal/Epifania e ciclo Quaresma-Páscoa-Tempo Pascal) e o tempo «ordinário», quer dizer, «não especial». Por vezes os autores chamam «tempos fortes» aos ciclos do ano litúrgico ditos «especiais», quase insinuando que as 33/34 semanas do tempo «per annum» seriam um tempo «débil», o que não é de modo algum verdade.

Em Portugal, nos primeiros tempos da aplicação da reforma litúrgica esta designação – «Tempo Ordinário» – chegou a ser aceite e teve os seus defensores. Mas não prevaleceu por várias razões: porque é uma terminologia mais jurídica que litúrgica; e porque o adjetivo tem em português uma conotação semântica pejorativa que desaconselhou o seu uso fora do contexto jurídico-canónico. Encontrou-se então a designação «Tempo Comum» que parece traduzir de forma aceitável a caracterização que dele se dá no nº 43 das Normas Gerais acima referidas:

«Além dos tempos referidos [os tempos «especiais» descritos nos nn. 18-42: Tríduo Pascal, Tempo Pascal, Tempo da Quaresma, Tempo do Natal e Tempo do Advento], que têm características próprias, há ainda trinta e três ou trinta e quatro semanas no ciclo do ano, que são destinadas não a celebrar um aspeto particular do mistério de Cristo, mas o próprio mistério de Cristo na sua globalidade, especialmente nos domingos. Este período é denominado Tempo Comum».

Não se trata – longe disso – de um tempo  débil ou pouco importante, dado que nele se celebra todo o mistério de Cristo na sua globalidade. Em vez de se debruçar sobre um momento particular ou aspeto específico, procura favorecer a vivência comum e comunitária do «todo», do global, do impreterível mistério de Cristo.

Se virmos bem, este não é o «último» dos tempos litúrgicos, mas o primeiro. O Ano litúrgico nasceu com o Domingo, a festa primordial dos cristãos. No Domingo, a Eucaristia faz a Anamnese/memorial da morte e ressurreição do Senhor, Páscoa celebrada no ritmo de cada semana. A princípio não se sentia a necessidade de nada mais: o ano litúrgico mais não era do que «tempo per annum»: celebração sucessiva e ininterrupta do domingo ao longo de todo o ano e de ano para ano. Posteriormente, alguns domingos ganharam uma coloração especial em virtude de neles se celebrarem momentos ou aspetos particularmente importantes do Mistério de Cristo. E surgiram festas e «tempos especiais»: Tríduo Pascal, Tempo Pascal, Quaresma, Natal/Epifania, Advento… Todos eles se acrescentaram ao «Tempo Comum» que é, assim, tempo primeiro e, sem dúvida, principal.