Por João Alves Dias
Meu pai sempre me dizia: para conhecer, é passear ou ler. Passear, a vida não lho permitiu, mas ler, lia muito.
Herdei-lhe o gosto e, para conhecer, privilegio o mais próximo…
Desta vez, deambulei pelo concelho de Paredes, criado em 1837.
Entrei por Aguiar de Sousa, sede dum antigo e extenso concelho, com cerca de 260Km2, que foi extinto em 1836, com a reorganização de Passos Manuel. As suas 39 freguesias foram distribuídas pelos atuais concelhos de Gondomar, Valongo, Paredes, Penafiel, Lousada e Paços de Ferreira.
Percorri esta aldeia perdida nas dobras da serra de Valongo, terra natal do P. António Vidinha que foi pároco de Rio Tinto, e não encontrei qualquer indício dos seus pergaminhos concelhios, a não ser uma lápide, na Senhora do Salto, que dizia: “Comemoração – 500 anos – Foral de Aguiar de Sousa – Concedido por El Rei D. Manuel I – Ano 1513 – Homenagem em 13/07/2013”.
Em contrapartida, o seu velho castelo testemunha tempos bem mais antigos, anteriores à nacionalidade. Atalaia debruçada sobre um apertado e profundo desfiladeiro do rio Sousa, defendia a entrada no interior do país de quem subia ou atravessava o rio Douro. Por aqui passou, em 995, Almançor, na sua investida vitoriosa que só parou com a conquista de Santiago de Compostela, em 997, ‘onde apenas respeitou a sepultura do Apóstolo’.
Subir ao que resta da sua velha torre é respirar a frescura da mata e a memória dos séculos.
No miradouro que se abre sobre o ‘Poço do Inferno’, parei junto do monumento, aqui reproduzido, que tem na base a inscrição: “Inaugurado em 6-5-1976 por D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto”.
É uma homenagem ao pioneiro da resistência da Igreja à política do ‘Estado Novo’ que mereceu do “famoso Bispo do Porto”, também ele exilado por Salazar, as seguintes palavras:
“Grande homem da Igreja ele é por isso homem de todo o mundo. Profundamente
português e europeu pela cultura, fez-se missionário em África. (…)
Homem de inteligência e de cultura cristã, nada de humano e cristão podia
considerar-se alheio a si; e, porque o sentiu e o disse, veio a morrer exilado na
Norte-América”.
O Padre Joaquim Alves Correia nasceu em Aguiar de Sousa em 5 de maio de 1886, estudou nos seminários da Congregação do Espírito Santo e foi ordenado presbítero em 26 de outubro de 1910.
De mentalidade aberta e corajoso antifascista, esteve contra todas as formas de totalitarismos e foi um paladino da emancipação política das colónias portuguesas. A sua frontalidade valeu-lhe o exílio nos Estados Unidos onde viria a falecer em 1 de junho de 1951- Faz amanhã 72 anos.
O nosso bem conhecido, P. Tony Neves, ‘Espiritano’ como ele, que nasceu, bem perto, na Foz do Sousa, escreveu:
“Os que com ele conviveram falam de um padre culto, bem relacionado, mas muito sensível à falta de liberdade e democracia dos tempos em que ele viveu. (…) Foi a escrita, contundente e corajosa, que atiçou os ódios de quem queria manter a pobreza das pessoas e limitar a liberdade de expressão. (…) . Seria, pelo que dizia e pelo que fez na sua luta contra a pobreza que as portas do exílio foram abertas de par em par (Lusofonias, 4/9/2018).”
Se Aguiar de Sousa não se pode ufanar dos indícios do seu passado municipal, pode honrar-se deste seu filho que, em1980, a título póstumo, foi agraciado com a ‘Ordem da Liberdade’ pelo então Presidente da República, Dr. Mário Soares, que o reconhecia como “um dos pais da democracia portuguesa e uma das figuras mais lúcidas da primeira metade do século XX’.
A Senhora do Salto, com a sonoridade das águas de Sousa e os estratos contorcidos das falésias, é um santuário, também para os amantes da natureza e da geologia. É ingreme a descida, mas dá gosto repousar neste pequeno ‘paraíso’…
A viagem prosseguiu… Limito-me a indicar as terras e os monumentos que visitámos: Cete– capela da Senhora do Vale e mosteiro do sec. XI; ‘Honra de Louredo’ – pelourinho e monumento da forca; Vila Cova de Carros – aqueduto de 500 m. e tanques de Cimo de Vila, do séc. XIX; Vilela – mosteiro do séc. XII; Lordelo – ‘Torre dos Alcoforados’.
É perto e bom caminho…Merece bem a pena…