Caminhos para a dignificação da política

Por M. Correia Fernandes

Nos dias qua correm entre nós perfila-se um sentimento coletivo de perda de dignidade da ação política e do debate político, e das palavras que os transportam. O desmoronar de uma ação política construtiva é acompanhada por um universo de julgamentos superficiais e de insuficiente fundamento, normalmente explorados pela comunicação social, o que também constitui um sintoma triste. Confundem-se episódios mal sucedidos com princípios de atuação e de fundamentação das atitudes.  Enfim um universo em que se adverte uma degradação da palavra e da ação.

Um retrato realista e deprimente desse universo de degradação da ação política era dado, em texto publicado no diário Público, de 25 de maio, do antigo ministro da Educação Eduardo Marçal Grilo, uma das personalidades que desempenhou essa missão ao longo de mais tempo (e digamo-lo também com maior competência) ao falar do cansaço “por ver os políticos a criar conflitos inúteis”, ao sentir a ausência de figuras de moderação com voz, ou o esquecimento a que é votado “o que de muito bom se faz em Portugal” que não se vê valorizado e muito menos enaltecido.

O contraste destas formas de agir surge em ao confrontarmos com o conceito que os documentos do magistério da Igreja consideram a “nobre arte da política”, como lhe chamou o Papa Paulo VI, hoje proclamado santo e celebrado neste dia em que escrevo, 29 de maio. Do seu tempo, o Concílio II do Vaticano, na inovadora mensagem “Gaudium et Spes”, constitui projeto de manifesta utilidade cultural e que seria de grande proveito se fosse tido em consta pelos agentes da nossa sociedade.

Recordemos o que diz o documento do Concílio: “Deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e política, hoje tão necessária à população e sobretudo aos jovens, para que todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política. Os que são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com inteireza e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido, e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, mais ainda, com caridade e fortaleza política, ao bem de todos” (GS, n 75).

Bem poderíamos atualizar esta mensagem nas palavras do Papa Francisco ao avançar o conceito do “amor político” proposto na “Fratelli Tutti”, lembrado estas sábias palavras: “O político é operoso, é um construtor de grandes objetivos, com olhar amplo, realista e pragmático inclusive para além do seu próprio país” (n. 188), associando-lhe a superação de um dos grandes interesses de muita ação política: substituir a ânsia da presença nas sondagens pela busca de soluções eficazes para o fenómeno da exclusão social e económica e a superação, bem como o apelo às instituições para que promovam a globalização dos direitos humanos  mais essenciais” .

É também proposta de Francisco a dimensão da política como exercício da ternura, perguntando: “Em que consiste a ternura? No amor que se torna próximo e concreto” (n.194). Não se trata da ternura dos abraços no final dos comícios, mas na capacidade de julgar com equilíbrio, de superar a agressividade, de eliminar os discursos do ódio e da rejeição.

Deixemos para meditação dos políticos mais voltados para os conflitos de lutas e interesses pessoais, transformadas em questões essenciais, algumas palavras que podem ajudar a mudar de rumo, como a formiga no carreiro:

Qual é o lugar da política? Recordemos o princípio da subsidiariedade, que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis, mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais poder. É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados. Mas não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspetos da crise atual”, superando  o modelo “do êxito” e “individualista” em vigor.

“Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise. Muitas vezes, a própria política é responsável pelo seu descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas públicas” (n. 196-197).