Uma leitura do filme “Emily” *
Por Alexandre Freire Duarte
Vivemos dias em que se parece celebrar, com maior ou menor sucesso, a lógica do “como não se sabe, posso inventar”. Eis, entre outros temas, “Os anos escondidos de Jesus no Quénia” e “A Virgem-Mãe, a primeira evangelizadora do Território Lusitano”. “Emily” vai nesta linha. É um pseudo-estudo biográfico baseado na ideia, viciada logo à partida, do “e se?” O resultado, a nível da trama, é desapontante. Mas o filme tem valor.
Custa dizer isto de um filme assente numa falsidade que trivializa a vida e o génio de uma mulher extraordinária. Porém, esta obra é imaginativa e audaciosa. O ambiente terno, dramático e sinistro é de mestria, e para isso as ferais paisagens naturais são genuínas personagens reais; a filmagem é capital no mostrar as emoções e o isolamento; e Mackey é surpreendente no soberbo papel de Emily Brontë a burilar intensamente, ao ritmo das conceções (também sexuais – e para isso Jackson-Cohen é impecável –) de hoje, a sua identidade para não sufocar sob as empoladas normas sociais de então.
Desde a Teologia estimo poder dizer que Freud estaria feliz com este filme. Não pela falhada pseudo-análise da grande Emily, mas com o que este filme desvela da sua diretora. Vivemos tempos nietzschianos, em que flui o escapismo para se “viver ‘feliz’”, nem que graças à fraude. Em vez do mérito, idolatra-se a vaidade ostensiva que, ofuscando e enojando a Jesus (cf. Mc. 9,19), é fabricada à custa de favores que calcam e esvaem os mais fracos e influenciáveis – como parece ser, em parte, a Emily de “Emily”.
A dissonância entre as bases e as, assim formadas, elites geram desorientações e vidas com cimos e vales descomunais, obrigando-nos a ler a nossa vida desde uma aceitação disfuncional do nosso presente indulgente a todos os desacertos. E isto, por mais que se diga que se o faz para se defender a “liberdade de pensamento” (nem que doentio ou, ao menos, deturpado). Ai o que se ouve (e lê) nos, totalmente falsos, “novos moralistas” com joelhos de vidro, mas com espadas mordazes que ferem os católicos!
Triste é, assim, que também venha à baila neste filme, o Sartre menos sadio: o que aduz, num absurdo radical, que só se é livre se se disser “não” às tradições e às leis que impedem a busca (ávida, mas vã) da tenacidade e prazer próprios. Mais um ónus a abrir, pois e hoje, ferimentos isolados, mas fustigados por rodopios tormentosos. Fala-se em dialogarmos com tudo o que disto decorre, mas infelizmente (e contra o dito por Jesus), isso leva-nos a capitular, dado que não vivemos a Sua Pessoa, nem as Suas virtudes.
A forjada Emily deste filme é o que todos aqueles, e outros que tais, desejam que sejamos. Pessoas que não inquirem e não se deixam achar por Deus; ou, pior ainda, pessoas que, se inquirem e são achadas por Deus, recusam as respostas mais profundas dadas por Este. Isto jamais é um começo, mas um ponto final, felizmente superável se se recusar pensar que Jesus é demasiado bom para ser verdade. Ele é a Verdade que nos mostra uma alegria que é o próprio júbilo de Deus no seio da humanidade. Falemos com todos, pois por todos somos responsáveis, e não é por cortarmos um órgão nesta humanidade que ela restabelecer-se-á. Mas inoculemo-la com o custoso, lento e difícil amor que nunca nos faz escravos, embora peça uma libertadora e feliz obediência a Jesus.
(* EUA, 2022; dirigido por Frances O’Connor; com Emma Mackey, Oliver Jackson-Cohen e Fionn Whitehead)