
Por Jorge Teixeira da Cunha
No mês de Maio, os movimentos de trabalhadores cristãos estão particularmente activos para que a doutrina social da Igreja não seja esquecida. O trabalho é o centro da questão social, mas há mais de quarenta anos que não é publicado um documento sobre este assunto, o que não deixa de nos causar espanto e preocupação. Os militantes, que mantêm vivo o clamor pela justiça no mundo laboral, são dignos da admiração de toda a Igreja. Aqui vimos em auxílio desse pequeno grupo de gente corajosa que, mesmo no meio de todas as nuvens que pendem sobre o nosso futuro, vão mantendo acesa a chama da fé e esperando por um novo incremento à acção católica no meio laboral.
O que está a acontecer ao trabalho? Há coisas boas e más que estão em curso. Entre as coisas boas, podemos enumerar o desenvolvimento das máquinas, que nos poupam ao trabalho penoso dos tempos passados, o melhoramento das leis que nos garantem alguma defesa contra a desigualdade entre dadores de trabalho e trabalhadores, a capacidade das novas gerações para fugirem aos constrangimentos do trabalho assalariado e trabalhares por conta própria. Mas há, igualmente, um grande número de factores que mantêm os seres humanos debaixo do domínio de relações de poder que eternizam e aumentam as desigualdades entre possuidores e prestadores de trabalho.
O chamado capitalismo tem uma grande inteligência para mudar a sua estratégia e continuar a apropriar-se, de maneira injusta, do produto do trabalho de muitos. Entre essas estratégias, podemos lembrar esta que consiste em separar a posse das patentes e a produção dos objectos, de forma que os grandes marcas muito lucrativas não empregam directamente as pessoas que estão na base dos seus proveitos. A produção é deslocada para lugares de escassa protecção dos trabalhadores, onde se pagam salários baixos, mas o comércio das coisas fica noutro lugar, aumentando exponencialmente as margens de lucro. O mesmo se diga do incremento das empresas de trabalho temporário que, muito embora tenham a vantagem de promover o emprego, contribuem para novas formas de precarização e de exploração de trabalhadores não sindicalizados e, por isso, isolados e incapazes de lutar pelos seus direitos. Diversas outras coisas estão a acontecer a que o sindicalismo tradicional não consegue pôr cobro.
Estes são pequenos exemplos de como a questão do trabalho continua no centro da questão social e vai continuar a sê-lo no futuro. Se tivéssemos de identificar qual a maior esperança do que está a acontecer no trabalho e qual o maior problema, creio que podíamos assinalar a robotização e a questão da justiça.
De facto, a robotização promete-nos um futuro em que seremos imunes ao trabalho penoso do passado, na agricultura, na indústria ou na construção civil. Isso é um grande progresso. Só quem não trabalhou na terra de sol a sol não verá esta vantagem para o mundo do futuro. O lavrador de amanhã usará um tractor com ar condicionado, ou um robô comandado desde um ponto de observação onde estará comodamente instalado. Ocorre lembrar que a chegada da máquina sempre ocasionou uma greve. Para que a máquina seja posta ao nosso serviço, teremos de criar um contexto novo para pensar o valor do trabalho, uma vez que o sujeito do trabalho é o ser humano e não a máquina. Para que o mundo do valor não nos seja subtraído, teremos de inovar as concepções éticas do futuro.
O segundo problema, a justiça, é mais complicado. De facto, a revolução tecnológica e a deslocalização da produção têm melhorado a vida de alguns, mas ocasionado uma concentração da riqueza na mão de poucos. Vai ser necessário, por isso, inventar novas instituições fiscais no futuro, de forma que a distribuição da riqueza produzida seja repartida de forma mais equitativa. As gerações futuras terão capacidade disso, pois as instituições do passado, a justiça e o Estado social, revelam-se incapazes de dar conta deste problema.
Como quer que seja, precisamos de uma orientação da Igreja para a nossa Acção Católica laboral. A “Laboram exercens”, de 1981, foi um pronunciamento interessante que continua a inspirar-nos quanto à colocação do ser humano no centro da questão do trabalho. Mas essa afirmação é insuficiente nas condições actuais da evolução da economia e da política.