Por M. Correia Fernandes
Não nos surpreendeu o falecimento do sacerdote e Cónego da Sé de Braga, João Aguiar Campos, visto que se sabia, incluindo ele próprio, que a sua enfermidade oncológica conduziria a esse evento. Desempenhou funções relevantes na Igreja Portuguesa: sacerdote, diretor do Diário do Minho, mais tarde Presidente do Conselho de Gerência da Rádio Renascença e Diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais. Foi como membro da Associação da Imprensa de Inspiração Cristã (AIC), que o conheci e nos relacionamos. Nada acrescentarei às notícias divulgadas nem aos sentimentos expressos nas homenagens de despedida.
Há três momentos que recordo: o primeiro num encontro em Fátima, no qual, a convite de D. João Alves, na qualidade de Presidente da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais, tive a honra de participar com ele num colóquio da AIC. Não me lembro do que disse eu, mas recordo-me do que disse ele: lembrou um episódio da infância, em que seu pai lhe havia ordenado que, penso que numa desfolhada, colocasse o candeeiro em lugar que iluminasse a todos. Daí deduzia que era esse exemplo que a comunicação social da Igreja devia seguir, colocando-se em sítio onde desse luz para todos. Coisa difícil. Recordo também o louvor com que o Bispo D. João Alves, homem de uma estatura imponente e sábia, comentou o evento: duas comunicações úteis, “cada uma no seu estilo”, que nos ajudaram a refletir sobre o papel da comunicação social de inspiração cristã.
O segundo acontecimento foi quando, no seu último desempenho como Presidente da Assembleia Geral da AIC, declarou: Será esta a última vez que irei presidir a estes encontros, porque acaba de me recordar o médico que algum bicho estranho se vem entranhando em mim. Na plateia dos participantes, diretores e colaboradores dos diversos media, sentiu-se um arrepio coletivo. Ninguém disse nada em público, mas todos guardaram no íntimo esta declaração. Pouco depois, era obrigado a deixar o cargo de responsável na Rádio Renascença e nas Comunicações Sociais, e recolhia-se a uma localidade próximo de Braga, para continuar o seu tratamento em meio das atividades que continuou a exercer, entre tratamentos médicos e presenças reconfortantes.
O terceiro acontecimento que lembro foi a presença numa sessão de homenagem que lhe foi prestada pelo Município de Terras do Bouro, que lhe atribuiu a medalha a Medalha Municipal de Mérito Ouro, numa cerimónia realizada no Museu da Geira em S. João do Campo, terra da sua naturalidade: ali se sentiu o apreço do Município pela sua figura de sacerdote, de jornalista e de escritor.
Chegados aqui, quero lembrar que, com data de 2021, no decorrer da sua enfermidade sempre interiormente superada até ao fim, João Aguiar Campos publicou dois livros, de títulos muito significativos: Descalço também se caminha, um conjunto de reflexões onde perpassam olhares ternos, meditações íntimas, a natureza inspiradora, as densas atitudes relacionais, as horas passantes, a força poética, os mais entranhados símbolos vitais, os sinais da esperança sempre presente, pela qual, perdidos os sapatos “ando sentindo mais a areia e as irregularidades do piso”. Um livro sem índice, no qual todas as entradas são páginas sugerindo leitura e provocando o pensamento e a emoção.
O outro livro leva um título de arrepiante presságio: Morri Ontem, que considera como “uma reflexão ficcionada sobre a amizade, o amor e a morte”, escrito nos “tempos de neblina que tenho atravessado”, na “minha crescente e escondida fragilidade”, onde perpassam presenças, amizades, textos jornalísticos, e uma citação de Simone Weil”: “A Graça enche, mas não pode entrar senão onde houver um espaço vazio para a receber, e é ela que cria esse espaço”.
Nele escreveu esta dedicatória, que guardo como expressão de um íntimo agradecimento:
Meu caro P. Correia Fernandes, com um abraço amigo, esta provocação saudável.
João Aguiar