Ministérios na Igreja sinodal (2)

Analisando o processo de receção do programa de “reformação” da ministerialidade eclesial, segundo os ditames do Concílio e o impulso de São Paulo VI, constata-se:

–  Foi feito um caminho notável no reconhecimento e promoção da natureza carismática e ministerial de todo o povo santo de Deus. Mesmo sem estatuto formal, uma ampla e difusa ministerialidade emergiu nos vários setores da vida eclesial: catequese, liturgia, caridade…

– O patamar intermédio dos ministérios instituídos ficou praticamente deserto.

– Avançou-se para a renovação do diaconado permanente sem primeiro se ter feito a experiência da ministerialidade laical efetiva e reconhecida, daí resultando discernimento mais problemático no âmbito dos sujeitos e dificuldades acrescidas no acolhimento e integração.

– …

Porque razão “abortou” a proposta dos ministérios laicais instituídos?

A resposta está na exclusão canónica das mulheres do acesso à instituição. Porque uma «venerável» tradição recomendava que os ministros ordenados, antes de o serem, exercitassem durante algum tempo os ministérios do Leitorado e Acolitado, vincularam-se estes ao itinerário formativo dos candidatos à ordenação. E porque a ordenação está canonicamente reservada aos fiéis do sexo masculino, reservou-se também a estes o acesso aos ministérios laicais instituídos.

Depois de São João XXIII (11 de abril de 1963) ter reconhecido como «sinal dos tempos» «o ingresso da mulher na vida pública» (Pacem in terris, 41) – «cada vez mais consciente da sua dignidade humana, a mulher já não tolera ser tratada como um objeto ou um instrumento, mas reivindica direitos e deveres consentâneos com a sua dignidade de pessoa, tanto na vida familiar como na vida social» (ibid.) – não era fácil a posição dos bispos: instituir apenas cristãos leigos do sexo masculino nos ministérios laicais e excluir dos mesmos as mulheres fiéis de Cristo era ir contra os «sinais dos tempos».

E poucos se atreveram. Veja-se o caso português em que a Conferência Episcopal, após a promulgação do novo Código de Direito Canónico, decretou sobre os requisitos dos candidatos aos dois ministérios instituídos (Decretos gerais para aplicação do novo código de direito canónico, 1985). Com alguma exceção sem continuidade, os Bispos apenas conferiram a instituição no Leitorado e Acolitado a candidatos às ordens do diaconado e presbiterado. Caso contrário, arriscavam-se a criar um problema maior nas comunidades cristãs onde tal discriminação já deixara de acontecer na ministerialidade “de facto”. E por esta se ficaram…

A necessidade de rever a normativa canónica já tinha sido amplamente debatida no Sínodo sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo (1987) e até prometida por São João Paulo II na Exortação Christifideles laici, anunciando a constituição expressa de uma Comissão para examinar o assunto (n. 23). Efetivamente, sendo os ministérios instituídos radicados nos Sacramentos da Iniciação cristã e não no sacramento da ordem, e porque em Cristo não há homem nem mulher (Gal 3, 28), qualquer exclusão ou discriminação na base do sexo carece de fundamentação teológica e só pode ter motivação disciplinar, suscetível de atualização e revisão.

Foi preciso esperar pelo Papa Francisco para se superar este impasse tão prejudicial para o desenvolvimento harmónico e afirmação na vida da Igreja dos ministérios instituídos. Em 10 de janeiro de 2021, com a publicação da Carta Apostólica m.p. Spiritus Domini foi revisto o § 1 do cân 230, suprimindo apenas uma palavra do texto oficial latino: «viri». «Os leigos [omite-se: do sexo masculino] possuidores da idade e das qualidades determinadas por decreto da Conferência episcopal, podem, mediante o rito litúrgico, ser assumidos de modo estável para desempenharem os ministérios de leitor e de acólito…». É iluminador ler a carta que, na mesma data, Francisco dirigiu ao Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé esclarecendo o assunto do ponto de vista teológico.

Francisco pretende, claramente, que o tema dos Ministérios Laicais, com horizontes alargados e sem restrições indevidas, volte à agenda pastoral das Igrejas particulares.