O Cinema visto pela Teologia (65): 65

Uma leitura do filme “65*​​

Por Alexandre Freire Duarte

Nos, para mim, doces anos 80 – em que tudo era néon e amianto (até a comida e a magnífica música) – via pessoas a jogarem, em máquinas, jogos em que o objetivo era correr e dar tiros. Não havia complicações, explicações, perguntas. Quão mais tiros, mais se corria. O filme “65” fez-me lembrar tudo isso. Inclusive a nível das fissuras na narrativa linear e grandemente previsível, que fazem dele algo facilmente esquecível.

Sim, a obra tem o seu charme ao sair da rotina, mas, com uma edição mastigada, parece apenas o esboço de algo que poderia ter sido melhor. Driver (militar e atónito) e Greenbalt (discreta e penetrante) são persuasivos e vê-se que deram tudo o que tinham quase sem falas. É isso que, na interação entre a tristeza e os medos mútuos das suas personagens, faz desta simples e modesta obra minimalista minimamente sedutora. Isso, mais a destreza das câmaras e, sobretudo, o som: a música, os ruídos envolventes, os respirares ofegantes que acompanham uma perigosa caminhada para o desconhecido.

Vendo este filme numa ótica teológica, é impossível esquecer Jesus e o que Ele disse aos fariseus e diz também hoje a nós: somos ninhos de víboras que se enroscam no nosso “ego”, e os dragões mais importantes que devemos enfrentar estão em nós. E, sim, a cada vitória, um mais forte surge. Por outro lado, há que enfrentar os conselhos capciosos, a bajulação insidiosa e os (grandes ou pequenos) “pares de bandarilhas” que nos são cravados nas costas quando menos esperamos. Mas é em nós que o maior veneno existe: o preferirmos viver acomodados com tais malefícios a fazermos frente a eles.

Sozinhos, desanimaremos inevitavelmente perante isto. Não nos iludamos. Mas que cristão vive sozinho? Que cristão vive para si? Que cristão não sabe que tem ao seu lado Jesus como o indomável domador do mal? Podemos sair sempre vitoriosos com ele, e com um amor a fazer confluir o sentido subjetivo da nossa vida ao sentido objetivo da realidade. Aquele que é dado pela sequência agraciada divinizaçãoRedençãoIncarnaçãocriação. Quando só nos preocupamos connosco, tolhe-se essa possível sintonia, mas as fraquezas dos demais (que mostram as nossas) conduz a uma humanidade partilhada que, mesmo com estranhos, poderá ser uma fraternidade cristã.

Proteger, sem razões ego-referentes, quem – entregue a falsas leituras da realidade (como se apraz a irradiar este filme) – está em perigo de desanimar na, e da, vida é do mais essencial que podemos fazer. E é-o, por mais que isso exija de nós (com dor para aquele “ego” que asila as nossas víboras e dragões) um amor e uma compaixão desgastantes e até sacrificiais. Mas também é assim que a intimidade luminosa de Cristo chegará a todos, subindo desde o mais baixo e elevando-nos para o Baixíssimo, se não buscarmos ser “ocupas” de ninguém, antes só generosidade criativa de doação criadora.

O pão e o vinho só serão símbolos das nossas vidas, não se por o serem, mas se nós formos quem devemos ser. E o formos, num deixarmo-nos admirar e encantar pelo facto de que cada pedra dura, que aparece na nossa vida, poder ser, com Deus, o diamante espiritual mais valioso. Aquele que, com genuína alegria, poderá abrir as precianas do coração para vermos quem nos envolve, e pormo-nos a andar com eles sem resignação, antes com ânimo e amor para melhorarmos o que observamos estar desfigurado e ferido.

(* EUA, 2023; dirigido por Scott Beck e Bryan Woods; com Adam Driver, Ariana Greenblat e Chloe Coleman)