
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Embora em declínio e transformação, o «Compasso» ou Visita Pascal é sem dúvida um momento fortemente sentido pela comunidade católica do norte do nosso país, na sua vivência festiva do mistério pascal.
Na sua origem esteve a visita do pároco às casas dos paroquianos para aí realizar a bênção e, ao mesmo tempo, delimitar o território da sua jurisdição exercendo também o seu direito a recolher o «folar» e outras contribuições que consubstanciavam a côngrua sustentação que lhe era devida. O Rituale Romanum pós-tridentino, recolhendo usos litúrgicos dos séculos anteriores, previa a Benedictio domorum in Sabbato Sancto [= Bênção das casas em Sábado Santo] como uma prerrogativa paroquial. Era uma prática que se seguia à vigília pascal, na qual se realizava a bênção da água, e que nesses tempos se antecipava para as horas da manhã do sábado impropriamente chamado «de aleluia».
Entre nós, particularmente na região entre Douro e Minho, essa visita ocorria preferentemente no domingo de Páscoa e sua oitava e era particularmente solenizada. O pároco, de batina, sobrepeliz e estola, era acompanhado pelo juiz da confraria do subsigno que levava a Cruz com o crucifixo («cum Passo Domino»), por um «oficial» com a caldeirinha da água benta para a aspersão e por outros colaboradores para recolherem os ovos da páscoa (o «folar»). O nome «compasso» derivará, precisamente, da presença da cruz paroquial com a imagem do crucifixo [=cum Passo], a solenizar o ato litúrgico e devocional da bênção. Essa cruz era engalanada e perfumada numa afirmação expressiva do triunfo pascal do Crucificado-Ressuscitado. Só posteriormente essa cruz, que acompanhava o pároco na bênção das casas da paróquia, vai ser objeto do beijo devoto dos paroquianos e o «beijar da cruz» acabou por se tornar quase sinónimo de receber o «Compasso», a visita pascal.
Com a diminuição do clero paroquial e o crescimento demográfico das paróquias, os párocos deixaram de poder visitar pessoalmente todas as casas da sua área de jurisdição e começaram a delegar: primeiro noutro clero disponível; depois em seminaristas revestidos de batina e sobrepeliz. Por fim – é a situação atual – o grupo que realiza a visita às casas passou a ser constituído integralmente por leigos, homens e mulheres. Com esta evolução o conteúdo essencial do «compasso» alterou-se profundamente: o objetivo já não é a realização da «bênção das casas», mas sim o anúncio festivo da Ressurreição, realizado corresponsavelmente por grupos representativos da «Igreja em saída» que vai levar às ruas e às casas o Evangelho essencial: «Cristo ressuscitou!». O compasso tornou-se, no nosso tempo, um momento de evangelização de valor inestimável.
Como sinais a valorizar na forma atual do «Compasso» destacamos:
– A cruz com a imagem do crucifixo – e não um crucifixo sem cruz como alguns pretendem, numa inovação iconográfica desconhecedora da Tradição –. A ressurreição é significada pelas ornamentações, grinaldas e perfume com que é costume engalanar a Cruz. O beijo à Cruz – que, com o tempo, ganhou importância – pode manter-se. Embora os cuidados sanitários, ainda justificados, possam aconselhar outros gestos de veneração.
– O uso da água benzida na noite de Páscoa, como memória fresca do Batismo que faz de nós «fiéis» e «filhos da Igreja» (=«fregueses», paroquianos).
– A reunião das famílias nas suas casas – santuários da Igreja «doméstica» – e a visita entre famílias numa experiência de comunhão da «família paroquial».
– O carácter festivo e jovial que caracteriza esta manifestação, com o tilintar de campainhas anunciadoras e os tapetes primaveris de folhas verdes e flores que falam de renovação.
– A participação dos fiéis leigos na missão evangelizadora da Igreja.
E a bênção das casas? O novo Ritual das Bênção, de 1984, dá-lhe uma nova configuração: «Bênção anual das famílias nas suas próprias casas». Aí se recomenda aos párocos e seus auxiliares que não descurem «o costume de visitar todos os anos as famílias que vivem no território da sua jurisdição, principalmente no Tempo Pascal. É de facto uma ocasião privilegiada para exercer a sua missão pastoral de modo mais eficaz, na medida em que é uma oportunidade para conhecer cada uma das famílias» (Celebração das Bênçãos, n. 69).