Notas sobre uma Nota da Conferência Episcopal da Escandinávia

Por M. Correia Fernandes

Tivemos acesso à tradução em língua francesa de uma “Carta pastoral sobre a sexualidade humana”, datada do quinto domingo da Quaresma deste ano de 2023, proposta pelo Episcopado da Escandinávia. Chamou-nos a atenção o facto de o documento inserir o tema da sexualidade humana no contexto das tentações de Jesus, com a evocação da narrativa do Dilúvio no Génesis, das provações da história do povo de Israel nas narrativas do livro do Êxodo e a conclusão com uma citação do Catecismo Romano do 1566 qual firma: “Toda da finalidade da doutrina e dos seus ensinamentos deve ser colocada no contexto do amor que não acaba nem se destroi. Podemos expor o que é necessário acreditar, esperar e realizar; mas sobretudo importa apresentar o Amor de Deus como raíz de toda a virtude do agir cristão… Este amor foi revelado no exemplo, no ensino e na paixão salvífica de Cristo”. Neste contexto recomenda às comunidades católicas escandinavas (como a todas as outras) que no universo das suas personalidades e dons se manifeste o testemunho deste amor em espírito e verdade.

Não constitui evidentemente novidade esta tomada de posição. Mas o que é de salientar é que os Bispos coloquem neste contexto quaresmal a problemática da sexualidade nos termos em que está a ser debatida neste tempo.

Dos princípios que procuram definir, seja-nos permitido transcrever, resumindo, a visão que apresentam:

1 As referências aos relatos da criação e do dilúvio acentuam a dimensão antropológica dessas narrativas; elas definam a ação humana como raiz dos males e a intervenção divina como caminho de superação e salvação, bem como a proposta divina (através da imagem do arco-íris) como projeto de realização integral para a condição humana: a nova ordem antropológica ali proposta assenta no sentido universal do equilíbrio ecológico e do equilíbrio antropológico, traduzido no signo bíblico como “a aliança eterna entre Deus e a terra”, que oportunamente salientam como símbolo de um movimento ao mesmo tempo cósmico, político e cultural.

Daqui conclui o texto para a concepção da Igreja que rejeita toda a forma de descriminação injusta, fundada sobre o género ou a orientação sexual.

2 É neste contexto que o texto afirma: “Marcamos o nosso desacordo quando este movimento põe em evidência as propostas de uma visão da natureza humana que faz abstração da integridade corporal da pessoa, como se o género físico fosse apenas um acidente. E protestamos quando esta visão é imposta às crianças como se se tratasse duma hipótese do acaso que se pretende impor às crianças como tarefa de autodeterminação para a qual não podem estar preparados”. Um apelo às sociedades para que se saiba respeitar a identidade de cada um.

3 A nossa sociedade está particularmente atenta à realidade corporal, mas acaba por tratar o corpo de forma superficial quando recusa a percepção integral da identidade pessoal de cada um, referindo que quando a Bíblia ensina que Deus criou a pessoa humana à sua imagem, se esquece que nessa imagem está tanto e realidade corporal como a identidade espiritual e pessoal. O mesmo se diga do sentido da ressurreição: a ressurreição dos mortos é a ressurreição de toda a pessoa humana.

4 Igualmente acentuam: “A imagem de Deus na natureza humana manifesta-se na complementaridade do masculino e do feminino; homem e mulher são criados um para o outro, lembrando que na Escritura a ligação entre homem e mulher se torna imagem de união de Deus com a humanidade, que encontra a sua perfeição nas núpcias do cordeiro, no final da história humana. Reconhecem que a integração do masculino e do feminino pode tornar-se difícil e os Bispos afirmam e reconhecem que nesse domínio “todos somos vulneráveis”.

5 as mensagens dos Bispos da Igreja há dimensões essenciais: o acolhimento de todos, não as pequenas ideias pessoais mas uma atitude de comunhão acolhedora, a não rejeição de quem quer que seja, a capacidade de nos tornarmos homens e mulheres novos, “na aliança selada pela paixão de Cristo”.

6 “Procuremos pois tornar nossos os princípios fundamentais da antropologia cristã, acolhendo com amizade e respeito mesmo aqueles que se encontram longe deles”.

E a muitos que se manifestam perplexos face ao ensino cristão tradicional sobre a sexualidade, os Bispos recomendam uma atenção mais atenta à totalidade desse  ensino, e um conhecimento mais completo sobre o sentido integralmente humano da sexualidade, procurando criar “uma intimidade profunda e libertadora que se deve encontrar também em todo o tipo de relação humana”.

Todas estas reflexões, propostas quando entre nós se fala mais de abusos do que em sentidos edificantes da sexualidade humana, manifestam a dimensão essencial: tornar a sexualidade uma expressão integral do amor humano, na sua equilibrada dimensão, tornando a sexualidade humana, nas diferentes vertentes de vivência (matrimónio, celibato, consagração religiosa, identidade pessoal, forma de dedicação e serviço à comunidade) como expressão fundamental do amor humano, a que o Amor cristão deve dar todo o sentido.

Conclua-se como propõe este documento:

“Possa a nossa comunidade católica, em que se desenvolve um tão largado quadro de personalidades e dons dar testemunho deste amor à verdade”, o revelado e manifestado no “exemplo, ensino, paixão salvífica e morte de Cristo, confirmado pela sua gloriosa ressurreição que celebramos com alegria durante os cinquenta dias do tempo pascal”.

(O documento tem a assinatura dos Bispos de Copenhaga (Presidente), Estocolmo, Reykjavik, Oslo, Helsínquia (Administrador Apostólico), Trodheim, emérito de Reykjavik)